Volta de coligações deixa eleição mais instável e atrapalha quem vota, dizem especialistas
A volta do sistema de coligações partidárias em eleições proporcionais provoca insegurança jurídica e pode confundir ainda mais o eleitor, segundo cientistas políticos ouvidos pela Folha.
Em sessão na noite de quarta-feira (11), a Câmara decidiu retomar o modelo de coligações nas eleições para deputados e vereadores. Nesse modelo, partidos menores concorrem aliados a siglas mais expressivas, o que tende a beneficiar pequenas legendas e manter a fragmentação do sistema partidário no país —hoje são mais de 30 partidos em funcionamento.
Mudança aprovada em 2017 baniu essa possibilidade a partir da eleição municipal de 2020. Agora, deputados querem retomar o sistema antigo. A proposta, porém, ainda precisa ser votada também no Senado, onde seu apoio é incerto.
O cientista político Claudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, diz que a proposta aprovada na Câmara aborta um modelo que nem sequer chegou a ser testado e que começaria a gerar resultados ainda nos próximos anos.
“Teve um primeiro efeito disso nas eleições municipais, e já houve uma redução da fragmentação partidária em Câmaras de Vereadores.”
A consequência maior do modelo é o estímulo à situação atual de multiplicação de partidos, o que tende a dificultar a formação de consensos e a governabilidade. Para Couto, o quadro brasileiro de hiperfragmentação é recorde na história das democracias.
Segundo o advogado e cientista político Marcelo Issa, da ONG Transparência Partidária, a compreensão da legislação pelos atores envolvidos e pelo Judiciário também ficará prejudicada.
“Até a avaliação das regras é difícil de se fazer, como não fazem mais de duas eleições seguidas com as mesmas regras. Fica bastante nítido que essas alterações ocorrem com um espírito imediatista de autopreservação de quem já tem mandato.”
A professora Silvana Krause, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, também vê uma instabilidade jurídica com eventual alteração, embora aponte que há mais fatores que influenciem o quadro de fragmentação do sistema partidário.
“Tem que deixar mais tempo para a regra funcionar”, diz ela.
Krause considera que há um histórico político no país antipartidário e que remonta às primeiras décadas do século passado. “Temos uma cultura de o eleitor votar na pessoa. Não é da nossa tradição votar em instituições, em partidos.”
Os especialistas também veem um impacto da mudança no entendimento do eleitor sobre o processo eleitoral.
No sistema de coligações, o voto no candidato de um determinado partido pode ajudar a eleger outros postulantes de perfil político completamente diferente, caso integrem a mesma coligação. Isso porque a definição dos eleitos depende do quociente eleitoral, calculado com base na totalidade dos votos dados a cada uma das alianças políticas concorrentes.
“É mais um fator de confusão, acabar de ‘contrabando’ elegendo um parlamentar que não tem uma relação programática com aquele partido no qual você votou”, diz Claudio Couto.
A fragmentação provocada, diz ele, repercute no “entendimento que o eleitor tem do sistema partidário”.
“É como ir a uma pizzaria que tem 84 tipos de pizza. Você começa a ler o cardápio e, quando chega na décima, desiste e vota na calabresa. O eleitor vive uma situação parecida com o sistema partidário desse tipo. Acaba indo nos nomes mais conhecidos.”
Outro ponto aprovado pela Câmara, nesta quinta-feira (12), cria um componente a mais no modelo eleitoral, estabelecendo a possibilidade de federações partidárias, em que partidos permaneceriam unidos, sem fusão ou incorporação, ao longo da legislatura.
No Brasil, no modelo de coligação partidária, não há nenhuma obrigação para que as legendas mantenham as alianças no momento seguinte ao pleito.
“Há uma aliança que se dissolve na sequência. Os partidos se apresentam em conjunto, mas atuam de maneira diferente. Do ponto de vista da previsibilidade, é muito ruim”, diz Marcelo Issa.
Para ele, permitir coligações combinado com federações, vai tornar o modelo “mais ininteligível”. Issa também critica a falta de debate sobre as alterações.
“Tudo foi costurado nos bastidores, com a sociedade sendo surpreendida, incluindo vários parlamentares.”
Extraído da Folha