Celso Furtado e a criação literária

O economista Celso Furtado tentou por três vezes escrever um romance. Ou romances. Sim, ele sempre teve uma ligação com a literatura. Após a segunda guerra mundial, aos 25 anos, publicou um livro de contos chamado De Nápoles à Paris: Contos da Vida Expedicionária. Carlos Roberto, meu finado editor, disse que encontrou esse livro num sebo e quis reeditá-lo. Não deu outra: Celso tomou o livro de suas mãos e o rasgou na mesma hora. Hoje entendo o porquê.

Um famoso economista, Eugene Gudin, certa vez lhe disse: “Devia ter sido romancista, e não economista”. Ao que Celso respondeu: “Mas como conceber uma construção teórica sem um forte ingrediente de imaginação?”. Segundo Elisa Kluger, talvez Gudin não soubesse, mas ter sido chamado de romancista para Celso era um elogio. Afinal, foi ele quem mergulhou num mundo em que Karl Marx e François Perroux se “comunicavam” com André Malraux e Marcel Proust. E a partir desse olhar, engendrou uma teoria única sobre como se estruturam as desigualdades no Brasil e no mundo.

Segundo seus Diários Intermitentes (2019), foram três as tentativas de romance. Na primeira, de 1944, vê-se reflexos de sua adaptação ao Rio de Janeiro com um enredo profundamente biográfico. Em 1955, já em Paris, o esboço de romance traz uma trama voltada para dois filhos: um de família rica e tradicional, o outro filho de domésticas, e de como a tomada de consciência política em ambos leva a determinadas percepções de classe nos anos de 1930 da Paraíba. O de 1975, esboçado durante o exílio, narraria a história de um professor exilado às voltas com a orientação de uma tese que jogaria por terra as ilusões de progresso social de sua própria geração.

Não estranha o fato de todas as tentativas terem sido de natureza biográfica. Celso reconhecia que os grandes escritores possuíam essa qualidade (por exemplo, Proust). Porém, sabotava-se ao dizer não possuir o “gênio literário” capaz de narrar histórias distantes de sua experiência “socioafetiva”. Nisso, Celso rasgou seu livro de contos porque não se cria tão grande quanto outros. Resta saber se, diante de Celso Furtado, alguns economistas hoje à frente do Banco Central se sabem tão pequenos quanto de fato o são.