Bolsonaro recicla mentiras para atacar urnas eletrônicas e alegar fraude
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a mentir hoje, em sua live semanal, ao alegar fraude nas eleições com a urna eletrônica. O presidente reciclou uma série de boatos já desmentidos, além de levantar suspeitas infundadas sobre os resultados de eleições anteriores. Nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde a adoção da urna eletrônica.
Defensor do voto impresso, o presidente promete apresentar provas de fraude nas urnas eletrônicas há mais de um ano. Bolsonaro tem reforçado as acusações infundadas nos últimos meses, em paralelo a um dos momentos mais delicados de seu mandato — a CPI da Covid avança desde abril, a reprovação bate recordes e pesquisas de intenção de voto têm mostrado larga vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro reproduziu um vídeo já checado como falso em novembro de 2020 pelo Projeto Comprova, do qual o UOL faz parte; fez menção a uma suposta fraude no Maranhão em 2008 que foi descartada pela Polícia Federal após investigação; e lançou uma série de insinuações sobre o resultado do primeiro turno das eleições de 2018, mas sem demonstrar claramente nenhuma irregularidade, além de ressuscitar acusações já desmentidas sobre o pleito que venceu há três anos.
Veja as checagens feitas pelo UOL Confere:
Pessoas foram votar e candidatos não apareciam na tela. Iam votar no 17 e aparecia nulo ou automaticamente o 13. Quem ia votar no 13 não aparecia 17 ou nulo.”
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
A declaração é FALSA. Foram desmentidas acusações de que o voto em Bolsonaro, na eleição de 2018, teria sido anulado ou convertido em Fernando Haddad (PT). Checagem feita pelo Projeto Comprova na ocasião aponta que diversos eleitores de estados diferentes tentaram digitar o número ao votarem para governador — e não para a Presidência, cargo que Bolsonaro concorria. Isso também foi esclarecido pelo TRE-MT. Já os vídeos em que o nome de Haddad aparece quando se digita o número de Bolsonaro são montagens, conforme publicado pelo UOL também na ocasião.
Vimos há pouco o PSDB mudar de posição, quando assistimos em 2014 o deputado Carlos Sampaio realizar uma profunda auditoria nas eleições de 2014. E ele fala depois de várias semanas o resultado dessa auditoria que reuniu peritos de fora do Brasil, ele diz que o sistema eleitoral nosso é inauditável. Não dá para comprovar ou não se houve voto nas eleições.
Presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal
O trecho da declaração sobre o PSDB é VERDADEIRO. O PSDB chegou a afirmar em um relatório que as eleições brasileiras não eram auditáveis.
Isso aconteceu em 2015, ano seguinte às eleições em que o então candidato tucano Aécio Neves perdeu para a petista Dilma Rousseff. Na ocasião, o PSDB pediu ao TSE uma auditoria do resultado da disputa —o tribunal recusou, mas autorizou o partido a fazer sua própria auditoria, fornecendo as informações necessárias para isso.
No fim de 2015, a legenda publicou um relatório afirmando não ter detectado fraude, mas que tampouco o sistema era auditável por agentes externos. Como solução, o documento propunha a adoção do voto impresso.
Apesar disso, recentemente, Aécio Neves afirmou que não houve fraude em 2014. O vice da chapa de Aécio, Aloysio Nunes Ferreira, afirmou à Folha que a eleição foi limpa e que o PSDB perdeu porque “faltou voto”.
Já o trecho em que Bolsonaro afirma que “não dá para comprovar ou não se houve voto nas eleições” é FALSO. Como o UOL explicou em recente reportagem, os partidos podem solicitar à Justiça Eleitoral os resultados de cada urna e comparar com a totalização (soma dos votos de cada urna).
É justo quem tirou o Lula da cadeia, que o tornou elegível, ser o mesmo que vai contar o voto numa sala secreta no TSE? Cadê a contagem pública dos votos?”
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
A declaração é FALSA. O Confere já desmentiu anteriormente que a votação é computada numa sala do TSE, conforme alegado na última semana pelo presidente. A contagem dos votos é feita de forma eletrônica, primeiro em cada urna e depois com os resultados enviados a um sistema por meio de uma rede privada de satélite. Os votos são somados neste sistema eletrônico.
As urnas emitem boletins a partir dos RDVs (Registros Digitais do Voto), e os boletins são disponibilizados para partidos políticos e organizações, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Ministério Público Eleitoral. Cada partido pode fazer a própria contagem dos votos e comparar com o resultado final computado pelo maquinário do TSE. O processo foi explicado em reportagem recente do UOL.
Além disso, o presidente erra ao dizer que ministros que determinaram a soltura de Lula definirão o resultado das eleições. O ex-presidente deixou a prisão após decisão do STF vetar a prisão logo após o julgamento em segunda instância, em votação apertada por 6 a 5. Os três ministros do STF que fazem parte do TSE atualmente (Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes) votaram a favor da prisão — se tivessem sido maioria, Lula não teria sido solto.
O ministro Alexandre de Moraes será o presidente do TSE nas eleições de 2022. O próprio presidente Bolsonaro tem a prerrogativa de escolher ministros substitutos da Corte Eleitoral em lista tríplice apresentada pelo poder Judiciário.
Essas urnas surgiram no final dos anos 90. Eu fui favorável a elas, dei declarações favoráveis a elas, mas a tecnologia ainda é a mesma, a segurança… quase nada mudou de lá para cá.”
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
A declaração é FALSA. As urnas eletrônicas apresentam o mesmo aspecto físico para atender a diferentes populações e manter a acessibilidade. No entanto, o TSE afirma que a tecnologia é aprimorada a cada dois anos e que as modificações são passíveis de conferência. A cronologia de modificações na tecnologia das urnas foi explicada em reportagem recente do UOL.
Os partidos políticos são convidados a participar do processo de abertura dos códigos-fonte das urnas, que fiscaliza os programas rodados nos equipamentos. No entanto, como mostrou a colunista do UOL Carolina Brígido, nas últimas três eleições nenhum partido participou do processo de fiscalização.
Isso [votar em um candidato e contar voto para outro] aconteceu largamente por ocasião das eleições de 2018. Temos vários vídeos demonstrando isso aí. Exatamente o que está aí.
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
A declaração é FALSA. Não há provas de que pessoas tenham tentado votar em um candidato e o voto tenha sido computado para outro. Além disso, o UOL já mostrou que é praticamente impossível fazer esse tipo de fraude em larga escala.
O Comprova, iniciativa do qual o UOL faz parte, já mostrou ainda em 2020 que o sistema usado para simular fraude no vídeo exibido por Bolsonaro não é o mesmo usado em urnas eletrônicas. O programa que é utilizado no vídeo como simulador da urna eletrônica é muito mais simples que o equipamento em si, que conta com inúmeros dispositivos de segurança que impedem que ela funcione com um arquivo modificado.
Mesmo que um fraudador consiga acessar uma urna para aplicar esse tipo de fraude, ela só funcionaria naquela urna específica, já que os equipamentos não são interligados. Ou seja, a fraude dificilmente seria aplicada numa escala relevante o suficiente para alterar o resultado das eleições.
É verdade que isso [vantagem de Bolsonaro] poderia se alterar, mas as pesquisas de intenção de voto mostravam justamente o contrário.”
Eduardo Gomes, assessor da Casa Civil, em live do presidente Jair Bolsonaro
A declaração é FALSA. As pesquisas de intenção de voto, assim como as de boca de urna, apontavam para um segundo turno em 2018 entre Bolsonaro e Haddad.
A alegação foi feita pelo homem apresentado por Bolsonaro como o “analista de inteligência” Eduardo — segundo a Folha, o presidente afirmou ao fim da live que tratava-se de Eduardo Gomes, um coronel da reserva e assessor da Casa Civil.
Para alegar que a tendência era de que a vantagem de Bolsonaro se ampliaria, Eduardo apresentou imagens do noticiário da TV Globo sobre a apuração eleitoral que seriam de 19h05 de 7 de outubro de 2018, dia do primeiro turno das eleições daquele ano.
Naquele momento, quando 53,49% das urnas do país já haviam sido apuradas, Bolsonaro tinha 49,02% dos votos válidos ante Haddad com 26,09%. Os votos válidos são aqueles dados apenas em candidatos, sem contar brancos ou nulos.
No Sudeste, no entanto, apenas 10,9% haviam sido apuradas até aquele horário. Bolsonaro liderava com 57,4%, contra 18,7% para Haddad. Logo, afirma Eduardo, a tendência seria de que a vantagem de Bolsonaro deveria aumentar. Esta lógica é uma falácia estatística, por não considerar o número absoluto de votos em cada região, fazendo apenas uma comparação proporcional. Além disso, desconsidera a possibilidade de quaisquer outros candidatos terem vantagens em cidades onde a apuração ainda não havia avançado.
A única coisa que a grande vantagem de Bolsonaro no início da apuração no Sudeste mostra é que o então candidato do PSL teve vantagem entre os primeiros votos somados na região.
O resultado final do primeiro turno ficou em linha com pesquisas. O Datafolha apontava Bolsonaro com 40% dos votos, contra 25% de Haddad, enquanto o Ibope mostrava o futuro presidente com 41%, diante de 25% do petista.
Já a pesquisa de boca de urna do Ibope, feita no dia da eleição, indicava Bolsonaro com 45% dos votos válidos e Haddad com 28%.
A projeção foi próxima do resultado, que teve Bolsonaro e Haddad avançando para o segundo turno com 46,03% e 29,28% dos votos válidos, respectivamente.
Então aqueles votos que faltavam [no Sudeste] deveriam fazer ele passar bastante dos 50 [por cento].
Eduardo Gomes, assessor da Casa Civil, em live do presidente Jair Bolsonaro
A declaração é INSUSTENTÁVEL. Para tentar embasar sua alegação, Eduardo citou um trecho bastante específico de uma reportagem publicada pela BBC Brasil em 2018, republicada pelo UOL, na qual o texto destaca o desempenho de Bolsonaro no Sudeste.
Segundo a lógica de Eduardo, faltando boa parte da apuração dos votos no Sudeste, era de se esperar que o atual presidente fosse vitorioso no primeiro turno da eleição de 2018. A lógica, no entanto, é uma falácia estatística, por não considerar o número absoluto de votos em cada região, fazendo apenas uma comparação proporcional. Além disso, desconsidera a possibilidade de que outros candidatos poderiam ter vantagens em locais onde a apuração ainda não havia avançado.
Eduardo também omite que a mesma reportagem da BBC Brasil que destaca a expressiva votação de Bolsonaro no Sudeste também cita que Haddad foi melhor no Nordeste e que a disputa entre ambos no Norte foi bastante acirrada.
“Foi mostrado que estava avançado, quase terminando [a apuração]. E o Sudeste lá atrás”
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal
A declaração é FALSA. Durante a apresentação, o assessor Eduardo Gomes afirma que restavam duas regiões que podiam decidir as eleições: Sudeste e Nordeste. No entanto, o Nordeste tinha 43,93% das urnas apuradas no momento em que a imagem da apuração eleitoral é apresentada — ou seja, menos da metade. São nove estados na região, e a contagem não é necessariamente linear. A região Sudeste, embora mais populosa, tem apenas quatro estados.
Eduardo também ignora que a região Norte, onde a votação entre os candidatos foi apertada, estava com 48,02% das urnas apuradas.
Eduardo apresenta então novamente a imagem, junto de uma conclusão que afirma que Bolsonaro teria vencido no primeiro turno com mais de 53% dos votos válidos. No entanto, não explica como ele chegou ao cálculo de que seriam 53% dos votos. A imagem mostra Bolsonaro com 49,02%, faltando ainda a apuração de mais da metade das regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Para ser eleito no primeiro turno, o candidato precisava de 50% dos votos válidos mais um; os votos válidos não incluem brancos e nulos.
Veja vídeo esclarecedor:
(232) Fraude na urna eletrônica é improvável e nunca foi registrada – YouTube