A dualidade de poder e a insegurança

Os anunciados tempos difíceis estão aí. As atenções que estavam sendo monopolizadas pela copa, com a sofrida derrota para a Croácia, devem retornar aos nossos problemas domésticos. Grande frustração. Mas o futebol é assim mesmo. Agora é voltar à dura realidade de uma economia em desaceleração e um não governo golpista. A gestão Bolsonaro-Guedes cada vez mais desnuda sua cara incompetente à medida em que a equipe de transição toma conhecimento dos números. Não há dinheiro nem para terminar o atual ano. Agora querem que, na PEC da transição, sejam incluídos alguns milhões para pagar despesas de 2022. Enquanto os bloqueios continuam nas estradas, o governo continua bloqueando verbas para os ministérios criando um verdadeiro caos na educação e na saúde. A fúria para mostrar um superávit primário qualquer no balanço do ano é de tal ordem que até as verbas do orçamento secreto foram também bloqueadas causando revolta entre os deputados do “centrão”. A cada dia o tamanho do rombo aumenta. O orçamento que foi apresentado pelo sinistro Guedes, é uma farsa e não pode ser executado.

No congresso as conspirações avançam a pleno vapor. As eleições para as presidências das duas casas, que deveriam ocorrer no próximo ano, já estão em marcha e tudo indica que a equipe Lula vai encaminhar sua posição de apoio à reeleição dos atuais presidentes. As alternativas são ainda piores. Como se previa, o adesismo ao novo governo é descarado. Os partidos e deputados do Centrão estão à venda. Todos querem aderir em busca de favores e empregos. Aspiram até a ministérios já disputados pelos partidos que fizeram parte da coligação que apoiou a eleição do Lula. É um grande saco de gatos, e temos a esperança de que o presidente eleito, com sua grande experiência, saiba navegar neste mar revolto.

Na caserna, a conspiração também não arrefeceu. O não presidente, apesar de sorumbático e capiongo, continua a circular nos quartéis participando das cerimônias de entrega de títulos e patentes à “milicada” e recebendo homenagens. Esquecem que o “capetão” foi corrido da força por incompetência e por ser considerado incapaz para o serviço militar. Que vergonha!

Se na política as coisas estão confusas na economia a situação não é melhor. Como já havíamos previsto, a lenta recuperação que se anunciava perde cada vez mais o fôlego. Os fatores que a impulsionaram perdem força. A recuperação vinha sendo estimulada pelo fim da pandemia e revogação das medidas restritivas que impediam a livre circulação das pessoas e prejudicava o mercado de trabalho, especialmente os autônomos. A poupança das famílias, feita durante a pandemia, foi sendo gasta e esgotou-se. Com a elevação da Selic, os juros se elevaram aumentando a inadimplência. O estímulo decorrente das medidas eleitoreiras do governo com a distribuição de dinheiro também se esgotou. Com isto os serviços, o comércio e a construção civil desaceleraram. A ajuda externa derivada do fortalecimento do dólar, que fazia subir os juros, foi enfraquecida pela desaceleração do crescimento global.

Aliás a situação internacional tem se agravado e a recessão global é esperada e está em marcha. Não há esperanças para uma solução da guerra da Ucrânia e pelo contrário, as tensões entre os EUA e a China tem aumentado. Mais uma vez os americanos empurram os países “aliados” para a situação de fantoches subservientes, defensores de seus interesses. Além de tentarem aumentar a ajuda militar ao palhaço Zelensky querem agora que boicotem a China. Para nós este boicote não é interessante uma vez que a China tem aumentado sua participação nas nossas relações comerciais. As nossas exportações para este país aumentaram, de 22,1% em 2017, para 31,3% enquanto as importações passaram de 17,5% para 22,8%.

No Brasil, apesar do crescimento do PIB, no terceiro trimestre os dados apontam para uma desaceleração. Um indicador disto é a queda da confiança do consumidor. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), apresentou uma queda de 3,3 pontos em novembro. Em outubro, a inadimplência das companhias aumentou 8,5%. Do total inadimplente, 53% corresponderam a empresas dos serviços, 38% do comércio e 8% da indústria, segundo dados da Serasa. 89% dos inadimplentes são micro e pequenas empresas. A agricultura decresceu -0,9%, e a indústria extrativa -0,12%. O crescimento do PIB só foi salvo pelos serviços que cresceram 1,1%, pelos investimentos que cresceram 2,8% e pela construção civil com um crescimento de 1,1%. A indústria de transformação contribuiu apenas com 0,12%.

A taxa de desemprego caiu para 8,3%, em outubro, com redução da informalidade, mas os analistas afirmam que esta tendência não se manterá. O que é mais preocupante é que um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que a erosão dos salários no Brasil, entre janeiro e junho do ano em curso, foi de -6,9%. Considerando que em 2021 a redução dos salários foi de -7% e em 2020 de -4,9%, no período 2020-2022, a massa salarial caiu -18,8%. Isto mostra o tamanho do esmagamento da demanda que obrigatoriamente deve refletir-se no crescimento do PIB.

Apesar dos avanços na transição, a instabilidade continua a perturbar a retomada da normalidade pós-eleição. Há mesmo uma dualidade de poder. Continuam as ocupações de estradas e as concentrações em frente aos quarteis com apelos para a intervenção militar “contra o comunismo”, o que é tolerado pelos comandantes. Continuam os apelos para impedir pelas armas a posse do novo presidente, diante da passividade das autoridades. Este apelo tem sido feito às Associações de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para que usem as armas que o governo permitiu que fossem compradas na tentativa de formar seu bando armado particular que pudesse ser usado em caso de necessidade como agora. Só o STF tem reagido contra os abusos e tomado medidas que resultaram em algumas prisões. Fica evidente o caráter reacionário das forças armadas totalmente contaminadas pelo bolsonarismo, situação que precisa urgentemente ter um fim. Para a garantia do futuro urge que os criminosos sejam punidos. Não pode haver anistia para estes crimes.