MPF obtém liminares parcialmente favoráveis em ações sobre acessibilidade na UFPB e IFPB
O Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba obteve liminares parcialmente favoráveis em duas ações nas quais pediu que fosse determinado à Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) que suprimissem todas as barreiras arquitetônicas que impossibilitem o pleno acesso das pessoas com deficiência aos respectivos campi na capital. As decisões judiciais foram obtidas na 3ª Vara Federal da Paraíba, no final de 2021, e determinaram que a UFPB apresente em 90 dias, projeto de adequação às normas de acessibilidade que ainda não foram realizadas no Campus I. Ao IFPB, o prazo concedido foi mais largo, de 120 dias.
A Justiça Federal, no entanto, considerou que o orçamento de 2022 já estava definido e determinou que as duas instituições educacionais federais inserissem os recursos financeiros necessários na próxima previsão orçamentária para 2023. O juízo também não fixou prazo para execução dos projetos de adequação às normas de acessibilidade, após incluídas as verbas no orçamento de 2023, bem como deixou de fixar as multas pedidas pelo MPF para o caso do descumprimento das obrigações.
Por essas razões, o MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), para que as duas instituições educacionais sejam compelidas a implementar o pleno acesso das pessoas com deficiência aos respectivos campi em João Pessoa. Os requerimentos ao TRF5 foram feitos no início de fevereiro de 2022, por meio de agravos de instrumento.
Conforme os respectivos recursos, UFPB e IFPB devem – após a apresentação, em 90 dias, do projeto de adequação às normas de acessibilidade, de acordo com a NBR 9050/2015 – executar o projeto no prazo máximo de um ano, a partir da data do deferimento da tutela requerida. Após o prazo de execução das obras, devem apresentar laudo técnico com ART Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RTT), para comprovar o cumprimento das obras executadas.
O MPF também pediu que, se o TRF5 mantiver a decisão da 3ª Vara Federal – de incluir no orçamento de 2023 a previsão dos recursos financeiros indispensáveis ao custeio da execução dos projetos de acessibilidade – seja estipulado prazo de 90 dias, a contar do início da execução do orçamento de 2023, para que a UFPB e o IFPB executem as obras de retirada dos obstáculos às pessoas com deficiência. A cautela em fixar prazo decorre da ponderação de que “não é incomum que órgãos públicos tenham previsão orçamentária para determinadas obras em certo exercício e deixem de executá-las por contingenciamentos diversos”, registram os agravos.
Ainda nos recursos, o órgão ministerial federal requereu a cominação de multa de R$ 500 mil, caso haja descumprimento dos prazos dos itens anteriores, bem como que seja expressamente ressalvado na decisão que, além da multa coercitiva a ser fixada pelo Tribunal, o descumprimento de ordem judicial pode configurar ato atentatório à dignidade da justiça e dar ensejo à multa de até 20% do valor da causa, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, na forma do artigo 77, IV e §2º, do Código de Processo Civil.
Violação de norma internacional – O Ministério Público destaca que a ausência de acessibilidade às pessoas com deficiência constitui violação à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada pelo Brasil em 2007 e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional. A Convenção Internacional estatui a acessibilidade como princípio geral e determina no seu artigo 20 que “Os Estados Partes tomarão medidas efetivas para assegurar às pessoas com deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível”.
O tratado internacional ainda institui que as medidas de acessibilidade tomadas pelos Estados Partes (países que assinaram a convenção) incluirão “a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade” e serão aplicadas em “edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho; informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência”.
Entenda o caso – Há mais de 14 anos, acabou o prazo previsto no Decreto 5.296/2004 para a adaptação dos prédios públicos às necessidades de acessibilidade e, desde 2013, o Ministério Público Federal vem solicitando à Reitoria da UFPB providências para garantia de acessibilidade em suas instalações, sem que providências efetivas tenham sido adotadas. Mesmo decorridos oito anos de tentativas do MPF de composição extrajudicial, a universidade alegou, no processo judicial, falta de estrutura, pessoal e recursos públicos para adaptar o Campus I às normas de acessibilidade.
Nos oito anos de tratativas extrajudiciais, o MPF realizou diversas diligências no campus I da UFPB, dentre as quais, três vistorias feitas por analista perito em engenharia do órgão ministerial; reuniu-se com o prefeito da cidade universitária e com o arquiteto da instituição para discutir laudo produzido pelo perito do MPF; expediu série de ofícios à instituição, solicitando informações sobre a adoção das referidas providências. Durante a reunião com o prefeito e o arquiteto, em 2018, estes informaram que havia medidas em andamento para solução da questão. Em 2021, o reitor informou que tinha sido aberto processo licitatório para aquisição de elevadores.
No caso do IFPB, desde 2016, o MPF tem tentado, extrajudicialmente, que o Instituto providencie a completa acessibilidade do Campus em João Pessoa. “Tempo mais do que suficiente”, argumenta o Ministério Público, para que houvesse sido elaborado projeto que demonstrasse as medidas que não poderiam ser tomadas através das contratações já existentes e o valor dos recursos necessários para tanto, caso houvesse vontade dos gestores em dar cumprimento à legislação de acessibilidade. O IFPB dispõe de corpo técnico próprio e sequer alegou, em sua contestação, a existência de restrições orçamentárias que impeçam a execução das adaptações.
O Ministério Público Federal também realizou diversas diligências no Campus do IFPB em João Pessoa, dentre as quais se destaca vistoria realizada por perito do órgão ministerial. O perito constatou que os imóveis da instituição demandavam a correção de diversos equipamentos para a adequação arquitetônica. O laudo foi remetido ao IFPB, solicitando respostas sobre as medidas que o instituto pretendia adotar para adequar-se às normas de acessibilidade. A última resposta que o MPF recebeu do Instituto Federal informava a realização de algumas medidas, mas afirmava que outras providências esbarrariam em limitações orçamentárias. Para o Ministério Público, a despeito de alguns avanços, as medidas não atenderam todas as necessidades de adaptação.
Nas liminares parcialmente concedidas, a 3ª Vara Federal considerou que houve avanços nas obras e reformas feitas pela UFPB e pelo IFPB, contudo, “bastante tímidos frente à necessidade demonstrada”. No caso do IFPB, o MPF argumenta que, pelo menos, parte das providências poderia ser tomada mediante utilização de contratos já existentes, através de rubricas de obras, descentralização de créditos ou mesmo utilização de créditos extraordinários. Quanto à UFPB, o órgão ministerial considera que algumas providências poderiam ser tomadas pelos permissionários de equipamentos complementares (lanchonetes e quiosques de fotocopiadoras) ou mediante utilização dos contratos de manutenção já existentes. “Além disso, poderiam ser utilizadas rubricas de obras, descentralização de créditos ou mesmo créditos extraordinários”, argumenta o MPF.
Acessibilidade é prioritária – Em ambos aos recursos ao TRF5, o Ministério Público menciona entendimento do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, feito no julgamento do Recurso Especial nº 1.607.472-PE, de que “a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social”. O MPF destaca que o entendimento encampado pelo STJ é de que “o Judiciário pode obrigar a Administração Pública a garantir condições de acessibilidade em prédios públicos” e reforça que para o STJ, “o direito à acessibilidade é de prioridade absoluta, devendo ser afastadas as alegações de conveniência e oportunidade opostas pelo administrador em mora”.