Não basta ser mulher, tem que ser de luta
Que somos maioria no país e do eleitorado, isso já é de domínio público. Contudo, seguem os números: 51,5% da população brasileira é feminina; 52,4% das pessoas que votam, também. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), respectivamente.
Que somos tantas vezes desvalorizadas. apagadas, silenciadas todos os dias exatamente porque somos mulheres, isso também já não é segredo. Mas aí vai um choque de realidade para que a barbárie não seja normalizada: no Brasil de 2021, uma mulher foi estuprada a cada 10 minutos; a cada sete horas, uma de nós foi assassinada .
São décadas de luta por respeito, igualdade de condições e oportunidades, pelo direito de existir, de decidir sobre nossos corpos, vidas, carreira. É braçada à braçada contra a maré de um sociedade machista, que cria mulheres machistas e perpetua preconceitos e opressão. Mais uma vez os números: o Brasil elegeu apenas uma mulher governadora em 2018 (Fátima Bezerra/PT). No Senado Federal somos 12 (14,81%), na Câmara dos Deputados, 51 (9,94%). Significa que apenas 63 (10,6%) das 594 cadeiras no Congresso Nacional são ocupadas por mulheres.
Queremos o espaço do debate, os espaços de poder. Somos minoria nos parlamentos, no executivo, mas também nas organizações. Temos os menores salários, apesar de mais estudo (um ano a mais que os homens, diz o IBGE), e vivemos sob o medo e ameaças constantes de assédio. Estudo da PUC-SP revelou que 65% das trabalhadoras no país já sofreram violência psicológica e os casos, em sua imensa maioria, são abafados (OIT).
O patriarcado que nos aprisiona a um status de submissão tem uma função definida e cristalina: manter privilégios dos homens, em sua maioria brancos. A subrepresentação é reflexo disso. Na mentalidade do atraso – esta mesma que transforma partidos em territórios majoritariamente masculinos e que desidrata investimentos em candidaturas femininas -, mais mulheres no comando significa menos homens nas instâncias de decisão. Esse é o status quo que precisa ser quebrado.
Os dados citados aqui e a dura realidade nossa de todo dia, nos mostram que há ainda pela frente um caminho agreste e escarpado. É preciso eleger mulheres, capacitar mulheres para que todas entendam a importância da representação feminina e para criar um ambiente de disputa mais justo e equilibrado. Para além, é mister que mandatos femininos sejam diversos e capazes de fomentar pautas de gênero e identitárias, de gerar políticas públicas que garantam avanços.
A antropóloga Maria Cecília Patrício, em entrevista ao Retruco, afirmou que “Quanto mais mulheres no poder, mais as mulheres serão vistas, atendidas, e a sensibilidade nas causas estarão mais presentes nas políticas dos estados. A quantidade é importante, quantidade que não seja singular, mas plural, com a presença de mulheres brancas, negras, indígenas e LGBT+”. Para além da quantidade, porém, é preciso pensar na qualidade das representações que buscamos. É o que está intrínseco na fala. Não basta que mulheres conquistem mandatos eletivos. É preciso que os transformem em mola propulsora do progresso. “Não basta ser mulher, é preciso ser de luta”.