Correios e Telégrafos deram R$ 1,5 bilhão de lucro em 2020. Por que privatizar uma mina de ouro?
Depois de sofrer derrota na Câmara Federal com a PEC do voto impresso, no mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro conquistou uma vitória importante na sua escalada neoliberal. Nesta quinta-feira (5), deputados federais aprovaram o texto-base do projeto de lei que autoriza a privatização integral dos Correios com 286 votos a favor, 173 contra e duas abstenções. Agora vão analisar os destaques e encaminhar a proposta ao Senado.
Quem comprar os Correios terá pelo menos cinco anos de exclusividade sobre os serviços postais, e já a partir da privatização, vai precisar implantar o Plano de Demissão Voluntária (PDV). Quem optar pela adesão, poderá fazê-lo em até seis meses com direito à indenização de 12 vezes o valor do salário, um ano de plano de saúde e plano de requalificação profissional. Os trabalhadores, todos concursados, só terão estabilidade de um ano e meio. Estamos falando de um país de quase 15 milhões de desempregados (IBGE),
A privatização dos Correios tem sido tema de exaustivos debates. Muitos já sustentaram (e sustentam) que a estatal dá prejuízos. Conversa! Do contrário, pelo menos cinco empresas, entre elas Fedex e DHL, as maiores do mundo no ramo de remessas e logística, não estariam de olho no negócio. Vou te contar aqui o que o governo e outros interessados nessa enganação não te contam. Por quatro anos consecutivos, os Correios tiveram lucro! Só em 2020, R$ 1,53 bilhão entrou no caixa. Esse resultado é público, está no Diário Oficial da União e supera em larga escala o lucro de R$ 102 milhões registrado em 2019. Aí vai outro dado: 25% de tudo isso vai direto para os cofres da União. Por que então privatizar e abrir mão de uma mina de ouro?
Antes de seguir, outros dois esclarecimentos:
1- Privatizar é desestatizar. O objetivo de governos que adotam essa política é arrecadar mais recursos, diminuir a dívida pública. Mas nem toda privatização traz benefícios pra quem vende assim como nem toda privatização é garantia de serviço bem prestado à população. Também não é garantia de redução da corrupção. Nem de universalização. E esse ponto é extremamente importante para garantir acesso, inclusão e cidadania. Nesse quesito, o texto aprovado na Câmara obrigada a entrega de cartas em todo o país e coloca a Anatel como reguladora e fiscalizadora.
2- Empresas privadas vivem de lucro e isso não é crime, mas empresa nenhuma vai investir em algo que não tenha retorno. Se tiver que funcionar em cada canto do país, vai transferir os custos disso para o consumidor. E, se ainda assim tiver prejuízo, vai demitir. É preciso entender isso para ter a exata noção de que certos municípios (os mais pobres, menores e mais distantes) vão pagar mais caro pelo serviço. Isso pode acontecer, por exemplo, com os 68 municípios com menos de 5 mil habitantes na Paraíba. Lembre-se da premissa: se não dá lucro, não serve. Esse é o pensamento do mercado. A ideia aqui não é demonizar a atividade de empresa alguma, apenas explicar a lógica que rege as relações comerciais em um sistema capitalista como o nosso.
Quando se fala em privatização dos Correios há quem comemore porque só enxerga um lado da história: “o serviço não é bom”, “correspondências atrasam”, ”mercadorias são extraviadas”. Fato. E por conta de indenizações e processos, os Correios têm perdido o fôlego financeiro e boa parte de seu patrimônio. Há claramente problemas de logística que abalam e mancham a credibilidade de uma instituição que já foi considerada a mais confiável pelos brasileiros. Mas o que está por trás disso? Má gestão, desmonte e sucateamento da empresa, precarização das relações trabalhistas, com menos direitos e mais trabalho.
O histórico de greves dos servidores dos Correios é retrato fiel disso. Os motivos se repetem: redução de 40% do salário, não cumprimento de acordos trabalhistas coletivo, comprometimento do quadro de pessoal já defasado e acúmulo de funções. Apesar dessa crise, a estatal com grande capilaridade no país – cobre mais de 90% dos municípios brasileiros – acumula responsabilidades e atribuições que deveriam ser dos bancos como pagamento de salários, de programas sociais tipo o Bolsa Família. Sabe por quê ? Porque não tem banco nesses municípios. Os Correios também emitem documentos. Perceba que há aí uma função social que não poderia ser desprezada.
Dito isto, cabe uma pergunta: privatizar vai resolver? Em tempo: problema complexo não se resolve com solução simplista. Historicamente as privatizações não fizeram nenhum serviço melhorar no Brasil. A Oi, antiga Telemar, que o diga. Vendeu eficiência, deixou usuários na mão e acabou decretando falência e acumulando prejuízo líquido nos primeiros três meses do ano de R$ 6,28 bilhões.
Histórico de privatizações – De 90 a 92, o presidente Fernando Collor lançou um plano nacional de desestatização e 18 empresas públicas foram privatizadas. Depois dele, Itamar Franco, de 92 a 94, continuou com o plano e privatizou a companhia siderúrgica nacional e a Embraer. De 95 a 2002 FHC privatizou a Telebras, o Banespa, a Vale do Rio Doce. Lucro de 70 bilhões de dólares. Sobre a mineradora Vale, depois de vendida por R$ 3,3 bilhões em 1997 sob a narrativa de que causava prejuízos, hoje é avaliada em mais de 300 bilhões. Já o pacote de privatizações do governo Temer, iniciado em 2016, incluía ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, hidrelétrica, distribuição de energia, transmissão de energia, mineração, gás. Previsão de arrecadação: R$ 287,5 bilhões. Vendeu 91 empresas públicas e arrecadou pouco mais de R$ 97 bilhões. Menos da metade do que se queria. Negócio da china ou de grego?
Moral da história – Diminuir o tamanho do Estado a qualquer custo não é sinônimo benefício. Não para o Estado. É preciso pesar bem quais serão as perdas e os ganhos da operação. Nessa hora, há de se ter entusiasmo de menos e realidade na veia!
Voltando aos Correios – A estatal, avaliada em 2017 em R$ 5 bilhões, emprega 100 mil trabalhadores. Para privatizar, o primeiro desafio é diminuir o número de funcionários, ou seja, demissão em massa. Eis o motivo do sucateamento. Sempre houve um propósito e o objetivo era quebrar o monopólio postal à custa de um serviço que é essencial. A propósito: serviços essenciais devem ser tratados como mercadoria? Quem ganha com isso? Quem perde?
Outras questões – Por que não aprimorar o serviço com gestão mais eficiente, manutenção da universalização a preços justos de modo que todos tenham acesso, nas capitais ou nos menores distritos? Por que não investir em estrutura e tecnologia de modo a otimizar o desempenho? Certamente, isso preservaria a saúde da empresa e a manutenção de um patrimônio que é do público, incluindo os empregos.
Lição básica – Uma coisa é certa: não se abre mão de um bom negócio. É contraproducente, pouco inteligente. Isso, sim, cheira a prejuízo!