Opinião

Crises e reações ao autoritarismo no Brasil e na Paraíba

Uma sucessão de crises. Essa condição tem nos assombrado, e não é de hoje. Podemos dizer que o Brasil vive um longo inferno astral: em 2012, a queda no preço internacional das commodities trouxe incertezas para toda a América Latina e afetou as exportações e o mercado nacional. Em 2014, a recusa da legitimidade do processo eleitoral na disputa pela presidência da República por parte do PSDB rasgou como faca afiada o fino tecido da democracia brasileira. Chocava-se ali o golpe de 2016 e, junto com ele, um tipo de ressentimento que deu causa ao extremismo e fortaleceu o bolsonarismo, expressão do sufocamento à pluralidade, da rejeição à ciência, de uma política de ódio que trata adversários como inimigos e persegue as minorias.

Muitos acreditam que a ascensão de Jair Messias Bolsonaro foi fator decisivo para o recrudescimento das crises – e o surgimento de outras – que nos assaltam e que se tornam ainda mais violentas com a pandemia da covid-19. De 2018 para cá, temos visto a cotidianidade do mal e uma necropolítica instrumentalizada e institucionalizada. Em As Origens do Totalitarismo (1951), Hannah Arendt diz que regimes autoritários andam de mãos dadas com a morte: a morte da verdade, do contraditório, de pretos, de pobres; a morte das florestas, da história, morte de gente que poderia ser evitada se houvesse vacina. Sendo assim, podemos afirmar as características totalitárias desse governo ou, pelo menos, traços de totalitarismo a ele inerentes. Mas é um equívoco acreditar que ele é causa. Bolsonaro é efeito. Sintoma de uma democracia estilhaçada. É daí que nascem as crises. E quando há o acirramento das lutas, a destruição de direitos, a fragilização das condições de trabalho,  a população é tomada pelo desejo de soluções rápidas e potentes. A decisão passa a ser mais irracional que consciente. Isso explica muita coisa. 

As crises que vivemos hoje, diz o cientista político Adam Przeworski, são resultado da perda da fé na democracia porque os poderes se mostraram e se mostram incapazes de solucionar problemas que afligem as pessoas: insegurança econômica, social, alimentar… Antes dele, meados do século XX, em Cadernos do Cárcere, Antônio Gramsci, teorizou sobre o tema e chegou à conclusão de que crises emergem quando o status quo é insustentável e nada ainda o substitui. Segundo Gramsci, quando o velho está morrendo e o novo não pode nascer, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece. Sofrimento, violência, pobreza, conflitos abertos são aprofundados. E houve elementos que levaram a isso no Brasil: o rápido desgaste dos sistemas partidários, o desalinho do sistema de coalizão, o discurso antissistema, o avanço de partidos de caráter racista, xenofóbicos, nacionalistas, machistas representados pela direita populista ou extrema direita.

Temos, no Brasil, portanto, uma crise orgânica – política e social – que se aprofunda com a guerra de narrativas e com a falta de perspectivas em torno de uma saída. Alguns falam em frente ampla – mas paradoxalmente restritiva porque exclui o PT, maior partido de esquerda do Brasil – capaz de construir uma saída democrática para esta crise que enfrentamos. Os que propõem esse caminho alternativo que soa, à primeira vista, como a panaceia perfeita para todos os nossos problemas, são os mesmos que contribuíram com o que está posto e que defendem uma política econômica que gera mais desigualdades e menos bem-estar. É a política do 1 a 0. Oferecem algo velho, vendem como novo. Há quem recepcione a ideia de que qualquer coisa é melhor que a coisa que aí está, mas se há algo inexorável na política e na vida é que arremedos de soluções não resolvem nada a médio e longo prazos. 

Essa reorganização de forças terá implicações diretas nas eleições de 2022. O impacto disso? O tempo dirá. Até porque há um componente extra em jogo: Lula. A possibilidade de o ex-presidente disputar as próximas eleições presidenciais é factível e quase certa – quase porque nenhum martelo foi batido ainda. Também não há sinais ainda de qual composição vai ser formatada. O que é certo é que o momento crítico pede alianças capazes de derrotar o bolsonarismo – um movimento de resgate da soberania nacional, de retomada do curso das garantias constitucionais e dos direitos humanos, de previsibilidade que garanta investimentos e a recuperação econômica. A frente ampla responde a isso? Há defensores e críticos. 

Na Paraíba – e cabe lembrar que a organização nos Estados reverbera na corrida presidencial – já há uma resposta nesse sentido. Forças político-partidárias já se organizam com foco ao enfrentamento da crise e ao bolsonarismo. Na quarta-feira (21), foi anunciada a criação de uma “Unidade Democrática pela Paraíba”.. PCdoB, Psol, PT, PSB, PV e UP estabeleceram uma aliança inédita com vistas a derrotar a “escalada autoritária” e lançaram um manifesto. Chamam de campo democrático popular que nasce também com os objetivos de lutar pela preservação da vida e pela diversidade, e de criar um plano para gerar emprego, renda e combater a fome. 

A proposta é de união, não de ruptura. De conciliação, não de divisão – o oposto do bolsonarismo. O que se pretende é distensionar, mudar a chave da política miúda e banal para uma Política que gere crescimento, desenvolvimento e bem-estar social. As últimas pesquisas realizadas no país dão conta de que há um cansaço coletivo provocado pelo eterno conflito. Nenhuma crise se resolve da noite para o dia, sobretudo a que o país vive agora, mas a reviravolta já começou. Está aí um bom sinal.