Juliette, uma dose de otimismo para o cérebro
O fato é que tudo isso tem uma explicação científica. Desde que o homem pré-histórico passou a contar suas experiências de caça ao redor das fogueiras e usar este momento de socialização para construir memórias orais, podemos observar uma necessidade de reconhecimento e legitimidade social como uma das nossas necessidades primordiais. Nosso corpo e mente foram criados para viver em grupo, para sobreviver através das relações sociais e com grande necessidade de reconhecimento. A questão é que esta validação, muitas vezes, depende da realização de grandiosos feitos, reforçando a ideia de que é preciso sobreviver aos infortúnios da vida.
E o que tudo isto tem a ver com o reality Big Brother Brasil em 2021? Absolutamente tudo.
O filósofo e sociólogo Edgar Morin explica bem essa questão quando se refere ao Olimpianos. O termo vem dos habitam o Olimpo ( Monte Olimpo), que é a mais alta montanha da Grécia e na mitologia grega refere-se à morada dos Deuses do Olímpio. Morin explica que os Olimpianos são os indivíduos promovidos a heróis, vedetes, um misto de humano e sobre-humano. Conforme os termos do filósofo, os “olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência privada que eles levam”. Juliette e tantos outros que surgem em meio a uma sociedade sedenta por validação social, com as mentes isoladas dentro da sua própria aglomeração social, têm um duplo papel. São ao mesmo tempo mitológicas e humanas.
Essa dupla identidade surge como resultado do que precisávamos. Veja o caso de Juliette e o contexto de um país desolado com o golpe de mais de 4.000 pessoas morrendo por dia. A sensação de caos que a falta de comandos políticos claros deixou, gerou a falta de credibilidade de uma nação que busca “alguéns” a quem recorrer. Sendo assim, uma pessoa que tenha carisma, além de ser uma representação fiel de tudo aquilo que nós gostaríamos de ser/ter se materializa na imagem de uma participante de um programa de TV.
De repente, tudo fica muito claro. Juliette passou a carregar a esperança da superação das dificuldades sem fim vividas pela pandemia. É o alento e riso triste que consola nas horas em que a realidade da falta de dinheiro, vacina e saúde falam alto. Os números de engajamento de Juliette mostram o poder do carisma e credibilidade que a jovem nordestina, subestimada e valente é capaz de ter. E nosso cérebro sente prazer em premiar quem achamos que se parece conosco e que, de certa forma, nos identificamos.
Juliette nem imagina o futuro promissor que a aguarda quando sair da “casa mais vigiada do Brasil”. Esta é a grande reviravolta e final feliz que estamos ansiosos por ver se realizar. Torcer por ela, sem muito medo de dar errado, é a descarga de dopamina que precisamos para continuar. Depois de tanto sofrimento, uma merecida e grande recompensa.
Gosto de pensar que talvez a nossa vida também seja como a da narrativa de Juliette. E que, assim como ela, também nem podemos imaginar o futuro promissor que nos aguarda quando “tudo isso passar”. No fundo, somos grandes otimistas.
Lígia Sales (@ligiasal) é consultora de marketing sócia da www.ankrondigital.com.br, professora mestre em semiótica e pesquisadora de neuromarketing.
Extraído de El País