Opinião

Sem apoio do governo federal e sem saída, governadores reabrem comércio

A 22ª avaliação do Plano “Novo Normal Paraíba” em vigor a partir desta segunda-feira (5) traz o retrato da situação epidemiológica do Estado. Os números não estão nada favoráveis: 210 (94%) municípios em bandeira laranja, 13 (6%) em bandeira vermelha, nenhum em bandeira amarela ou verde. O cenário mudou muito pouco em relação à avaliação anterior quando ainda havia 3 municípios em bandeira amarela e 92% estavam na bandeira vermelha – a fase mais crítica da doença, com alta transmissão do vírus e lotação de leitos de UTI.

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Com base no desenho e na classificação de riscos adotada pelo próprio governo, a bandeira laranja impõe uma série de restrições ao município. Celebrações religiosas ficam liberadas presencialmente com apenas 30% da capacidade total ou desde que os participantes acompanhem de seus veículos (drive-in). Bares restaurantes, comércio, e shoppings podem funcionar, mas apenas para entrega em domicílio (delivery) ou retirada no balcão (drive thru).
Comércio popular, creches, escolas, academias, de acordo o Plano, deveriam ficar fechadas. Por que então parte dessas atividades foi liberada pelo decreto que também entrou em vigor nesta segunda?

De acordo com governo do Estado, em sua página na internet, “o Plano ‘Novo Normal Paraíba’ de retomada gradual das atividades foi viabilizado devido à consistente ampliação das capacidades de resposta do Sistema de Saúde paraibano, com a oferta de mais de mil leitos para os cuidados demandados pela Covid-19 em toda a Paraíba; ao aumento da testagem da população; e aos avanços das medidas para desaceleração paulatina da disseminação do vírus; além da manutenção da menor taxa de letalidade da região Nordeste”. O governo diz ainda que a retomada das atividades econômicas traz diretrizes que “foram discutidas com representantes da sociedade civil e do setor produtivo, com o objetivo de implementar e avaliar ações e medidas estratégicas de enfrentamento à pandemia decorrente do coronavírus”.

Diante da justificativa oficial, a reação nas redes sociais foi instantânea. Uns comemoraram. Há uma preocupação compreensível quanto à manutenção de empregos. Muitos outros criticaram: “faltou combinar com o vírus”, escreveram. A ironia é fruto do medo da doença, da dor por tantas perdas. O Brasil é hoje o país que mais mata no mundo por covid-19. De cada 100 mortes, 33 ocorrem aqui.

Na Paraíba, 1.081 novos casos de Covid-19o foram registrados neste domingo, e mais 40 mortes. No sábado, 789 novos casos, 46 óbitos. Dia 02, 1.1227 casos novos, 29 mortos. Dia 01, 1.311 novos infectados e 47 mortos. Um dia antes a Paraíba bateu recorde trágico: 73 mortes em 24 horas; 1.553 casos novos. Com números assim, o sinal de alerta grita. Se a redução da circulação de pessoas é o caminho para reduzir o potencial de contágio do coronavírus, um passo na contramão disso pode colocar qualquer avanço, por menor que seja, a perder. Parece óbvio, e é. Nem sempre, no entanto, o caminho do óbvio é o mais fácil. Explico.

O ideial é a vacinação ampla. Na falta dela e com o vírus à solta, se replicando e fazendo cada vez mais vítimas, inclusive entre Pessoas Jurídicas, a adoção de medidas restritivas se impõe. E essa é a conclusão de autoridades sanitárias e de saúde; também de economistas, empresários que entendem a necessidade de adoção de distanciamento social, de uma coordenação nacional de combate à pandemia e até de um lockdown nacional para conter o agravamento da crise.

Em 21 de março mais de 500 pessoas assinaram um manifesto encaminhado às três esferas de Poder pedindo, inclusive, distribuição de máscaras. Essas mesmas pessoas – e boa parte delas representa o PIB brasileiro – dizem que a demora na vacinação tem sido mais danosa para a economia que a redução da atividade. Economistas fizeram as contas. Dizem que, enquanto esta trouxe prejuízo de R$ 58 bilhões, o custo da demora na imunização da população vai custar R$ 131,4 bilhões.

O problema é que nos Estados a pressão é grande. Segurar as pontas, manter as restrições sem qualquer ajuda do governo federal torna essa luta inglória. São quatro meses sem auxílio emergencial, sem socorro às micro, pequenas e empresas de médio porte, ou seja, sem qualquer suporte do ente mais forte que fica com praticamente 60% de toda arrecadação tributária e tem capacidade exclusiva de emissão de títulos públicos para captar recursos, financiar suas atividades e pagar suas dívidas e até mesmo, em situações extremas, de emitir moeda. Sem isso, governadores tentam equilibrar as demandas locais para atender, de um lado, a saúde e, do outro, os pleitos dos setores econômicos. É o famoso “estica e puxa”, um efeito já esperado desde o início da pandemia, mas que se desgasta à medida em que as mortes se multiplicam e o sistema colapsa. Sem amparo e suporte da esfera federal, eles acabam cedendo. Ficam no meio de um cabo de guerra perdido. É o que acontece com João Azevêdo.

A verdade é que faltou testagem em massa no país e sobrou dinheiro para a compra de cloroquina e um de tratamento preventivo que comprovadamente não funciona. Faltou interesse na compra de vacina quando havia disponibilidade no mercado, sobrou negação dos efeitos deletérios da pandemia. Sobraram também propaganda contra o uso de máscaras e contra o distanciamento social. Sobraram ministros que não conseguiram remediar nem problema sanitário, nem o problema Bolsonaro. Aos governadores, restou a batata quente. Na busca por soluções, eles tentam agradar a todos. No final, acabam não agradando ninguém.