Opinião

Feminicídio e os impactos do racismo

Racismo. O assassinato bárbaro de um homem negro em um supermercado de Porto Alegre incendiou o debate no Brasil. João Alberto, 40 anos, espancado e morto quinta-feira passada (19), véspera do dia da Consciência Negra, virou estatística. Como ele, tantos outros!  Há quem critique a data que marca a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, e defenda a importância de uma consciência humana. No mundo ideal, essa seria a melhor das bandeiras! Mas estamos no mundo real, no Brasil real, onde pretos e partos são mortos por causa da cor da pele. O Atlas da Violência 2020, produzido e divulgado pela fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), não deixa dúvidas! Em dez anos (2008 – 2018), houve aumento de 11,5% de homicídios de pessoas negras. Isso muda tudo! Isso reforça a importância do debate, da cobrança por democracia racial e da desconstrução dessa cultura do atraso.

Faço aqui um outro recorte, agora de gênero, ainda com base no Atlas da Violência. O assassinato de mulheres negras subiu 12,4% em 10 anos no país. Entre as vítimas brancas, houve redução de 11,7%. A maioria das vítimas foi morta pelo marido, polo companheiro e pelo simples fato de ser mulher. Há um fator cultural presente. É a ideia de subjugação que está diretamente atrelada ao machismo estrutural.

Na Paraíba, nos sete primeiros meses do ano, dos 49 assassinatos de mulheres, 17 estão sendo investigados como feminicídios. Das 73 mulheres assassinadas em 2019 no Estado, 38 foram vítimas de feminicídio. São 4 a mais que em 2018. Crescimento de 11,76%. Ficamos atrás apenas de Sergipe, Amapá e Rondônia. Voltando um pouco mais no tempo, de 2017 a 2018, veremos que houve um aumento ainda mais brutal dos casos: 53%. Nesse bolo indigesto, há uma generosa fatia de racismo. Esse é um retrato de um Brasil que peca em políticas públicas que amenizem o quadro de violência e desigualdade no qual essas mulheres estão inseridas.

E como reduzir esses índices de violência contra a mulher? Não basta só punir o agressor. Isso está muito claro! Do contrário, os casos estariam caindo. É preciso investimento! Investimento em educação que promova consciência e mudanças de hábitos de toda a população para romper com a estrutura e mentalidade pré-estabelecidas. Investimento no amparo às sobreviventes e à família – e isso inclui a instalação de delegacias especializadas. Boa parte dos municípios brasileiros não têm: 91,7% de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na Paraíba, há 14 delegacias da mulher: 2 em João Pessoa e as demais em Cabedelo, Bayeux, Santa Rita, Mamanguape, Guarabira, Campina Grande, Queimadas, Picuí, Monteiro, Patos, Cajazeiras e Sousa. Necessário investimentos também em capacitação de profissionais para humanização de apoio às vítimas. No entanto, quando o combate à violência doméstica deixa de ser prioridade, a escalada de crimes é rápida. É exatamente o que estamos assistindo no Brasil.

O orçamento da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e Dos direitos Humanos, passou de R$ 119 milhões de reais em 2015 para R$ 5 milhões em 2019. Para 2021, a pasta vai contar com R$ 34 milhões. Queda de 19% em relação ao orçamento de 2020. É claro que os Estados e Municípios vão sentir essa facada. Como vão trabalhar prevenção? Como fazer campanhas educativas e de conscientização? Sem dinheiro, programas criados para combater o feminicídio sofrem perda de continuidade. É um desmonte visível. Ao que parece é um projeto de higienização. Reforço: as mulheres negras são as mais afetadas porque são maioria entre as vítimas desse tipo de crime.

Falha o Estado quando não consegue parar essa sangria desatada. Falha o Estado quando não é capaz de cumprir seu dever de oferecer segurança, educação, saúde para sua população… Quando o feminicídio acontece, para a vítima e para o agressor, é porque faltou tudo isso antes, e falhamos todos nós como nação.