Opinião

Correios e Telegráfos: nem tudo é o que parece ser (ou o que dizem que é)

Você compraria uma empresa que só dá prejuízos? Então por que pelo menos cinco organizações estão interessadas na privatização dos Correios? Amazon, Fedex  e DHL estão entre elas de acordo com o ministro das Comunicações, Fábio Faria.  Fedex e DHL são as maiores do mundo no ramo de remessas e logística. E se estão de olho, é porque o negócio é bom. Ou não?

O governo Bolsonaro anunciou que ainda este ano privatizaria os Correios e Telégrafos. Mas e se eu te contar que, pelo terceiro ano consecutivo, os Correios tiveram lucro? Em 2019 lucro líquido de mais de R$ 102 milhões de reais. Houve uma queda de 36% em relação a 2018, mas, ainda assim, foi um baita lucro. E 25% de tudo isso vai direto para os cofres da União. Por que então privatizar e abrir mão de uma mina de ouro?

Vamos, primeiro, entender o seguinte: privatizar é desestatizar. O objetivo de governos que adotam essa política, é arrecadar mais recursos, diminuir a dívida pública. Mas nem toda privatização traz benefícios pra quem vende, e eu vou trazer dados que vão ratificar o que digo agora. Outra coisa: nem toda privatização é garantia de serviço bem prestado para a população. Também não é garantia de redução da corrupção. Nem de universalização. E esse ponto é extremamente importante para garantir acesso, inclusão e cidadania.

Empresas privadas vivem de lucro. Isso não é crime – nem aqui nem em lugar nenhum do mundo. Mas empresa nenhuma vai investir em algo que não tenha retorno. E, ao menor sinal de prejuízo, demite. É preciso entender isso para se ter a exata noção de que certos municípios ou vão ficar sem o serviço porque não é interessante para empresa do ponto de vista logístico,  ou vão pagar mais caro pelo por ele. Isso pode acontecer, por exemplo, com os 68 municípios com menos de 5 mil habitantes na Paraíba. Lembre-se da premissa: se não dá lucro, não serve. Esse é o pensamento do mercado. Não estou demonizando aqui atividade de empresa alguma, apenas explicando a lógica que rege as relações comerciais em um sistema capitalista como o nosso.

Quando se fala em privatização dos Correios há quem comemore porque só enxerga um lado da história: “o serviço não é bom”, “correspondências atrasam”,”mercadorias são extraviadas”. Fato. E por conta de indenizações e processos, os Correios têm perdido o fôlego financeiro e boa parte de seu patrimônio. Há claramente problemas de logística que abalam e mancham a credibilidade de uma instituição que já foi considerada a mais confiável pelos brasileiros. Mas o que está por trás disso? Má gestão, desmonte e sucateamento da empresa, precarização das relações trabalhistas, com menos direitos e mais trabalho.

Os servidores dos Correios que entraram em greve nos meses de agosto e janeiro foram obrigados a voltar ao trabalho pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) sob pena de multa diária salgada. Eles reclamavam a redução de 40% do salário, o não cumprimento de acordos trabalhistas coletivos e o comprometimento do quadro de pessoal que está defasado. Quem está hoje em atividade acaba acumulando funções, e quem defende a privatização dos correios a qualquer custo ignora isso. Ignora também que, com o passar dos anos, a empresa  – presente no grandes centros e na maioria das pequenas cidades, portanto tem muita capilaridade – passou a acumular responsabilidades e atribuições que deveriam ser dos bancos como pagamento de salários, de programas sociais tipo o Bolsa Família. Sabe por quê ? Porque não tem banco nesses municípios. Os Correios também emitem documentos. Perceba que há aí uma função social que não pode ser desprezada. Isso precisa ser posto na balança da discussão?

Perguntas: privatizar vai resolver? A universalidade dos serviços de entrega que chegam a mais de 90% dos municípios brasileiros vai ser mantida? E os empregos e salários?  Em tempo: problema complexo não se resolve com solução simplista.

Historicamente as privatizações não fizeram nenhum serviço melhorar no Brasil. A Oi, antiga Telemar, que o diga. Vendeu eficiência, deixou usuários na mão e acabou decretando falência e acumulando prejuízo líquido nos primeiros três meses do ano de R$ 6,28 bilhões.

Vamos a um breve histórico das privatizações  e concessões no país. De 90 a 92, o presidente Fernando Collor lançou um plano nacional de desestatização e 18 empresas públicas foram privatizadas. Depois dele, Itamar Franco, de 92 a 94, continuou com o plano e privatizou a companhia siderúrgica nacional e a Embraer. De 95 a 2002 FHC privatizou a Telebras, o Banespa, a Vale do Rio Doce. O lucro foi de R$ 70 bilhões de dólares. Lula, de 2003 a 2010, deu início às concessões de rodovias e hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. A União lucrou R$ 15,8 bilhões. Dilma seguiu e ampliou o plano abrindo concessões privadas para administração de rodovias, ferrovias, portos, e aeroportos. Já o pacote de privatizações do governo Temer, iniciado em 2016, incluía ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, hidrelétrica, distribuição de energia, transmissão de energia, mineração, gás. Previsão de arrecadação: R$ 287,5 bilhões. Vendeu 91 empresas públicas e arrecadou  pouco mais de R$ 97 bilhões. Menos da metade do que se queria. Negócio da china ou de grego?

A diferença entre privatização e concessão é que nesta última há uma transferência, com prazos bem definidos, para uma empresa explorar um serviço. Exemplo: a concessão do serviço de transporte de passageiros. Esse contrato pode ser renovado. Privatização é venda. Sobre a mineradora Vale, depois de vendida por FHC por R$ 3,3 bilhões em 1997 sob a narrativa de que causava prejuízos, é avaliada hoje em mais de 300 bilhões.

Moral da história: diminuir o tamanho do Estado a qualquer custo não é sinônimo benefício. Não para o Estado. É preciso pesar bem quais serão as perdas e os ganhos da operação. Nessa hora, há de se ter entusiasmo de menos e realidade na veia!

Quando o assunto são os Correios, cujo valor de mercado em 2017 era de R$ 5 bilhoes, é preciso levar em conta outros fatores: a estatal emprega 100 mil trabalhadores. Para privatizar, o primeiro desafio é diminuir o número de funcionários. Isso geraria demissão em massa. Entende agora o porquê do sucateamento? O objetivo é quebrar o monopólio postal, mas à custa de um serviço que é essencial.

E aí eu pergunto: serviços essenciais devem ser tratados como mercadoria? Quem ganha com isso? Quem perde? O caminho certamente para o problema dos Correios passa pelo aprimoramento do serviço com gestão mais eficiente, manutenção da universalização a preços justos de modo que todos tenham acesso, nas capitais ou nos menores distritos; passa ainda pela otimização do desempenho com investimento em estrutura e tecnologia. Isso preservaria a saúde da empresa e a manutenção de um patrimônio que é do público, incluindo os empregos.

Uma coisa é certa. Lição básica: não se abre mão de um bom negócio. Isso é contraproducente , pouco inteligente  e cheira a prejuízo.