Opinião

Número de mulheres no Congresso cresce, mas participação feminina na política é acanhada

O parlamento federal eleito é o resultado do voto popular – e da influência do poder econômico. É a cara do Brasil, mas não representa nossa diversidade e diferentes estratos sociais. Das 513 cadeiras da Câmara Federal, apenas 91 estão ocupadas por mulheres eleitas ou reeleitas, com destaque para duas mulheres trans e quatro indígenas. Ainda assim, a participação feminina é de apenas 17,7%. No Senado, com 81 cadeiras, o número de mulheres eleitas caiu de 15 para 11, o que representa 13,5% do total. A Paraíba, assim como Alagoas, Amazonas e Tocantins, não elegeu uma só deputada federal.

Essa sub-representação retrata um Brasil sexista, machista, que reproduz padrões de poder, dominação e subalternidade, e é medida em números. Dados de agosto de 2022 trazidos pela Organização global União Interparlamentar mostram o tamanho do atraso quando o assunto é participação feminina na política. Ocupamos a posição 146 em um ranking de 193 países, ficando atrás de Cuba e México, que alcançaram a paridade entre homens e mulheres em cadeiras ocupadas nos parlamentos.

Sem mulheres em instâncias participativas com capacidade de decisão e sem mandatos femininos diversos há prejuízo de pautas identitárias. A perda não é individual, mas coletiva. Dispositivos legais foram criados para combater essa cultura do atraso, que não perdoa o feminino e que tenta invisibilizar a mulher como sujeito que pensa, que sente e que produz. Podemos destacar a aprovação, em julho de 2021 pelo Senado, da destinação de 30% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para candidaturas femininas e de 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e televisão distribuídos entre candidatas.

A mudança na legislação, acompanhada da pressão para garantir que mais mulheres tenham o direito de serem candidatas e recebam recursos para isso, já surtiu algum efeito. Vejamos o histórico: em 2018 foram eleitas 77 mulheres para a Câmara dos Deputados, ou seja, 18% a menos que em 2022. Em 2014, 65 ocuparam cadeiras no Parlamento; em 2010, eram 60; em 2006, 52; oito anos antes, em 1998, 39. Evolução lenta e gradual, é verdade, mas uma evolução.

Recentemente, em função da vulnerabilidade a que mulheres eleitas estão sujeitas, foi criada também legislação específica para combater a violência política, que perpetua formas de opressão, cerceia, tolhe e silencia vozes femininas. Instrumento necessário, mas que, infelizmente, não encerra o ciclo de arbitrariedades e tirania. Tanto que recentemente, antes da eleição para a Mesa Diretora, a bancada feminina da Câmara dos Deputados entregou ao presidente Arthur Lira (PP), reeleito com votação histórica, uma carta com pontos prioritários e políticas afirmativas para garantir a a inclusão feminina no Colégio de Líderes, no rodízio de relatorias, na composição da mesa e o compromisso com a defesa dos direitos das mulheres e a manutenção das conquistas legislativas. Isso é prova inconteste de que pela frente há ainda um longo e árduo caminho de enfrentamento ao machismo, ao sexismo, ao patriarcado.

Essa lógica de sujeição que nos é imposta e que se materializa no Congresso Nacional, em efeito cascata acaba reproduzida nos parlamentos estaduais, municipais e no Executivo. Dos 27 estados da federação, apenas dois estados elegeram governadoras: Pernambuco e Rio Grande do Norte. E quando espaços de poder são negados às mulheres, a violência não só se recicla como é também naturalizada. Então não é exagero dizer que, embora estejamos em uma primavera feminina caracterizada pela abertura da participação das mulheres em instâncias de poder e testemunhemos o desabrochar de um tempo que nos reserva mais espaços de fala, o machismo é inverno perene.

Trago casos para não deixar cair no véu do esquecimento. Há pouco mais de um ano, parlamentares paraibanos da ala bolsonarista – reeleitos, diga-se de passagem – afiaram a língua para reduzir tamanho e importância da participação da secretária e jornalista Lídia Moura, da senadora Daniella Ribeiro e da deputada Pollyana Dutra na política local. Para eles, ou elas são insignificantes ou são fantoches que operam em nome de algum rei.

O combate a essas práticas regressivas passa pela resistência e insistência. É preciso garantir condições para que mulheres disputem esses espaços de poder em pé de igualdade e isso passa pelos partidos políticos que seguem reproduzindo a lógica da desigualdade. Vários países da América Latina já avançaram nesse aspecto, mas o Brasil, por exemplo,  permanece na “lanterna” do ranking sobre paridade de gênero na política na região (ONU Mulher) e deve demorar, pelo menos 50 anos, para alcançar o que Bolívia, primeira da lista que contempla 172 países, já conquistou. Há outras estimativas que falam em 120 anos. Logo, precisamos insistir na validação de agenda de oportunidades que nos visibilize e contemplo, e que prepare e capacite mulheres para que entendam a importância da representação feminina.

Não, não dá pra parar, respirar, descansar. Até porque, vejam isso, só no ano passado ganhamos o direito de fazer laqueadura sem permissão do marido (Lei Nº 14.443 de 2022) a partir dos 21 anos, e há poucos dias o governo da Paraíba sancionou lei que garante o serviço gratuitamente no estado. Estamos falando do direito de escolha sobre o nosso corpo que não poderia estar nas mãos de um homem. Demos um passo adiante. Não basta. Até porque o machismo que nos nega e fere também mata. Sigamos na luta e tomemos partido por uma questão de sobrevivência.

Foto: João Gilberto