Perseguição agora é crime. Nova legislação criminaliza o “stalking”. Entenda
O crime de perseguição, internacionalmente conhecido como stalking, foi inserido na nossa legislação penal por meio da Lei 14.132, de 31 de março de 2021. Na realidade, a conduta não cuida exatamente de um comportamento novo, pois muito assemelha-se ao crime de ameaça, já tipificado no Código Penal Brasileiro. Mas vamos às nuances que diferenciam os dois tipos penais.
O verbo perseguir traz a ideia de uma conduta de insistência, obsessão, comportamento repetitivo, um caçador à espreita da sua “caça”. É uma ameaça velada. Carrega consigo um sentimento de que a pessoa perseguida é alvo de um perigo iminente.
Todavia, para configuração do crime, necessário que haja uma conduta reiterada do perseguidor, ou seja, constância, habitualidade. Imaginemos uma cena em que, durante um evento social, o indivíduo insiste em uma abordagem inconveniente, sem que haja reciprocidade ou qualquer sinal de aceitação por parte da mulher. Essa situação não se enquadraria no crime de perseguição, se considerada uma questão pontual, isolada.
Agora, suponhamos que, não conformado com a rejeição, o sujeito passe a mandar mensagens, comece a frequentar sempre os mesmos ambientes em que aquela mulher frequenta, descobre o seu número de telefone e liga constantemente. Neste caso, já se pode considerar o stalking (o início da perseguição).
Mas o que seria esse “comportamento reiterado”? Quantas vezes essa abordagem inconveniente precisa acontecer para que o tipo penal seja consumado? Na realidade, a recorrência da abordagem não é fato de maior relevo. Mas o sentimento da figura perseguida com relação a tal atitude. Ou seja, a intenção do legislador é que a mulher se sinta albergada por lei quando for tomada por esse sentimento de perda de paz, de incômodo, de abalo psicológico, medo e iminência de perigo.
O perseguidor cria na vida de seu alvo um sentimento de angústia, de certeza de perseguição, ao ponto de sentir-se constantemente preocupada, até mesmo alterando sua rotina, perdendo sua paz. Pronto! Aí está configurado o crime de perseguição (art.147-A, Código Penal).
Mas há uma peculiaridade neste momento vivido pela humanidade: ausência de festas e demais concentrações sociais (pelo menos, em tese). No entanto, ainda assim a prática do recém criado tipo penal pode ser identificado por meio do que a doutrina denominou de cyberstalking, quando essa perseguição ocorre por meios virtuais.
Desde os tempos da academia, lá nas primeiras disciplinas, todo estudante de direito aprende que as fontes do Direito são: as leis, os princípios e os costumes (não quero enfadá-los com isso, mas só para iniciarmos esse papo). Aqui, falemos dos costumes, que é o responsável por tornar essa ciência tão dinâmica e mutante. Em última análise, os costumes sociais são provocadores de mudanças na legislação e adequações dos princípios, reflexo direto.
Pois bem. Dito isto, agora vamos trazer o recorte da pandemia que trouxe à reboque, sem importar-se com quem gosta ou não, a necessidade da adequação digital há tempos anunciada. Todavia, ainda que anunciada, bravamente resistida por aqueles indivíduos, digamos, mais “raiz” (termo usado para aquele pessoal da old school). Gente que gosta de cheiro de livro novo, de conversa cara à cara, do vinho, do café, da boa proza e das reuniões profissionais em volta de uma mesa, discussão e olho no olho.
Home office e o mundo reduzido às janelinhas das plataformas de reuniões virtuais. As dificuldades. Liga som, liga câmera, desativa o som, desativa câmera (não esquecer disso, pelo amor de Deus!). Algumas pessoas tiveram que se adaptar, com toda dificuldade, outras tantas ficaram de fora do mercado, dos encontros, da atualidade.
Bem, mas falávamos dos costumes que dão ritmo às regulações, às normas e à legislação.
Prontos ou não fomos inundados por um tsunami da era digital tão anunciada outrora. E a legislação que se preocupa em proteger às mulheres não poderia ficar alheia. Aliás, bom que se ressalte que, em termos de arcabouço legal, o Brasil é produtor de vastas e modernas leis. Uma verdadeira esteira de normas, produção constante e bastante competitiva entre os membros do nosso Poder Legislativo.
Somente a título de exemplo, a Lei 11.340, de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha foi modelo de legislação de proteção para a mulher, reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e replicada em todo mundo.
Agora, em tempo digitais, não seria diferente. Sabemos que um pouco de tudo acontece nas redes sociais. Desde negócios rentáveis, patrocínios, encontros, reencontros, e qualquer pessoa comum, sem muitos critérios pré-estabelecidos, pode vir a tornar-se influenciador digital com milhares de seguidores que acreditam ser lei tudo que aquela pessoa falar.
Essa projeção também pode despertar a atração de perseguidores. Daí a figura docyberstalking. Que, neste caso, seria a perseguição virtual. Esse tipo de perseguição pode gerar o mesmo sentimento de uma perseguição real. Perda da paz, angústia, medo, privação de liberdade, timidez na exposição, receio em marcar lugares e usufruir das interações que o meio digital proporciona.
O conteúdo produzido por alguém nas redes sociais é chamado de PATRIMÔNIO DIGITAL. Esse patrimônio também é albergado pelo direito, uma vez que, assim como o patrimônio intelectual e real (bens materiais), gera monetização.
Agora, imagine uma situação em que a proprietária da conta de uma mídia social esteja sofrendo perseguição virtual, constante assédio, exposição de mensagens inconvenientes em suas publicações… Não é bastante “bloquear” o seguidor, isto porque, rapidamente, ele poderá criar outro perfil fake. Cancelar a conta também não seria uma possibilidade, pois implicaria em perda de engajamento e até mesmo de possíveis ganhos financeiros.
O cyberstalking também pode atormentar a vítima por meio de e-mail, mensagens de WhatsApp, envio de fotos, publicações em grupos de pessoas de conhecimento comum, enfim, meios digitais. Essa exposição contínua das vítimas traz a sensação ao perseguidor de que é íntimo seu. O fenômeno não ocorre somente com artistas e celebridades, mas com pessoas expostas em redes sociais.
Por esta razão, sendo a perseguição real ou virtual, atualmente já é possível aplicar a penalidade para o praticante do delito. Os meios utilizados para a prática do crime podem ser os mais variados, por exemplo: telefonar e não falar, ligar e desligar várias vezes ao dia, enviar presentes, cartas (amorosas ou agressivas), estacionar o automóvel próximo ao da vítima, enviar fotos, músicas, instrumentos eróticos, peças íntimas.
O ponto principal para que se diferencie essa conduta praticada pelo perseguidor de um comportamento lícito é a receptividade do alvo da conquista ou da perseguição, devendo caso a caso ser analisado de forma bem particular. Podemos aqui relacionar indícios da prática do crime, como: ameaça à integridade física ou psicológica da vítima; restrição à capacidade de locomoção (pelo sentimento do medo); invadir ou perturbar sua esfera de liberdade e privacidade.
A situação pode desenvolver na vítima uma mudança de rotina (por amedrontamento) um isolamento e até mesmo um gatilho para depressão. Por outro lado, a obsessão do perseguidor pode ser tão acentuada ao ponto de desembocar em tentativa de feminicídio ou, na mais trágica das hipóteses, o próprio assassinato.
A pena aplicada, de acordo com a redação é de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além de multa, segundo transcrição do artigo introduzido pela Lei em comento. Vejamos:
ART.147 A- Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
- 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
- 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
O recrudescimento da legislação penal no sentido de ampliar a proteção da mulher é uma forte sinalização de que há um real interesse em dificultar as práticas de todo tipo de violência perpetrada contra o gênero feminino. Mas uma reflexão que colocamos é: a punição é via de acerto para a redução desse tipo de crime? Penso que a penalização da conduta é de extrema necessidade, no entanto, há milhares de medidas protetivas concedidas todos os dias com o fito de evitar tragédias contra as vítimas de violência, mas que não evitam, infelizmente.
Vamos educar, reeducar. Desconstruir e reconstruir. Forjar novos homens, para que, só então, tenhamos um vilarejo bem ali… Como diz a canção, um “lugar de paz, terras de heróis, filhos fortes, peitos fartos” e, finalmente, um novo horizonte. Toda a sociedade é responsável pelo tear desse novo tecido social: um lugar seguro para todos, em terra ou na esfera virtual.