Rol taxativo e STJ — A luta contra o luto
Em julgamento histórico, na data de 8 de junho de 2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) julgou, por 6 x 3, que o rol de doenças, exames e procedimentos elencado pela ANS é taxativo. Isso quer dizer que qualquer situação que não esteja ali dentro daquele rol, daquela lista, os planos de saúde não possuem qualquer obrigação de cobrir.
Na realidade, essa batalha entre beneficiário e operadoras de plano de saúde há tempo se estende. Diversas comarcas se dividiam em deferir e indeferir liminares por todo o país. Situações análogas geravam decisões diametralmente opostas, confundindo todo o jurisdicionado e pior, por vezes causando prejuízos irreversíveis, vez que estamos tratando de saúde (vale lembrar).
No julgamento de 8 de junho, finalmente, tivemos a resposta do Poder Judiciário à sociedade. Por maioria, o STJ não decidiu apenas que prevalece o rol taxativo na cobertura dos planos de saúde.
O STJ decidiu que o laudo médico não tem qualquer influência no tratamento do paciente, pois quem diz como o paciente será tratado será o magistrado e terá como fundamento de sua decisão a enxuta lista da ANS.
O STJ decidiu mitigar alguns direitos conquistados pelas mulheres, como fertilização in vitro, pois como não está no rol de cobertura, logo os planos de saúde não serão obrigados a cobrir o tratamento.
Também decidiu mitigar alguns direitos da dignidade da pessoa humana. Isso porque se você nasceu com alguma doença rara, cujo tratamento seja demasiadamente caro, provavelmente não estará naquele rol, logo, o direito à vida passa a ser algo “relativo”. Agora, só quem pode pagar!
Mas veja pelo lado positivo! Há uma chance de você discutir na justiça uma situação ou outra e o juízo entender de forma diferente. Olha só! Ele pode, depois de uma petição inicial, mesmo que haja um pedido liminar, abrir um prazo para a outra parte se manifestar, a parte poderá agravar, ele irá apreciar o agravo, você poderá contrarrazoar, o cartório, em ordem cronológica (que pelo princípio da transparência, nunca sabemos em que posição está a nossa vez), fará a conclusão do processo e, na boa vontade daquele juízo, ele apreciará, no seu tempo. Se o seu problema de saúde não for caso de urgência, pode ser que você consiga esperar a saga. Mas caso seja, nessa peregrinação, lamento informar, talvez não dê tempo para viver…
Retrocesso que chama? Ou conivência capitalista descarada mesmo? Um erro! Um grande erro! Ressalva para os três Ministros que entenderam diferente, em especial, a ministra Nancy Andrighi, que entregou um emocionante voto e fez jus à vocação para qual foi chamada. Segue trecho do seu voto-vista:
“O rol de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, enquanto importante instrumento de orientação quanto ao que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando previamente o consumidor do direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos ou eventos em saúde que se façam necessários para seu tratamento.”
Chegamos ao ponto de aderir a um contrato de prestação de serviço e perguntar ao Poder Judiciário se podemos usá-lo. Você que poderia viver mais uns vinte, trinta anos com um tratamento que não está no rol da ANS, agora, não pode mais usufruir do tratamento, exceto possa pagar de forma particular. Quantos anos sua vida reduzirá?
Uma sensação de mitigação de direitos. Outra sensação de injustiça emanando de onde deveria vir justiça. Ah, tem aquela sensação também de desafio! O desafio de viver em um lugar que cada vez mais empurra pessoas para o desespero, a quebra de princípios, a revolta, a ausência de esperança e, apesar de tudo, permanecer de pé! O desafio de não se quedar e acreditar, ainda que o tempo passe e nada mude, que é só mais um dia, amanhã será diferente.
Resta-nos desejar saúde a todos, a fim de que não precisemos recorrer ao sistema. Se esse desejo servir de algo, é isso que vos desejo!