Remendo em roupa velha com tecido novo?
O fim da Guerra Fria, no início dos anos 1990, indicou o momento no qual o neoliberalismo transformou-se na forma atual de reprodução do capitalismo e não apenas mais uma forma de ser do modo capitalista de produção. Este processo impactou nas mais distintas esferas das sociedades, da economia até a cultura. O refluxo das ações coletivas impactou nas esquerdas do mundo inteiro, a partir de um rebaixamento programático. Se antes defendia-se mudanças na forma de organização das sociedades, passou-se a defender como teto a implementação de políticas públicas que melhorem a vida dos povos ou atenuem seus problemas.
Com as esquerdas majoritariamente adaptas ao establishment e com a economia cada vez mais financeirizada e especulativa, quem passou a ocupar um espaço antissistema mais recentemente foi a extrema-direita, sobretudo a partir de crises sistêmicas que afetam diretamente a geração de emprego e renda. Porém, por óbvio, a extrema-direita, em todo o mundo, defende uma perspectiva reacionária, com retrocessos do ponto de vista civilizatório. E por que ninguém para este monstro? Como já disse em texto anterior, direita e extrema-direita convergem na pauta econômica porque esta reação obscurantista das políticas neofascistas opera na lógica ultraneoliberal.
Se existem forças políticas que defendem a volta a um passado sem direitos sociais, se existem forças políticas que defendem que fiquemos onde estamos, em um agudo processo flexibilização das leis trabalhistas, mercantilização das relações sociais e apostas dobradas no neoliberalismo, quais são as forças que defendem a superação destes modelos, construindo um novo pacto social comprometido com a dignidade humana e a sustentabilidade ambiental para atual e para as futuras gerações?
As importantes pautas identitárias devem agregar diversidade nas lutas contra todas as formas de opressão. Porém, não podem se tornar um cavalo de troia de um neoliberalismo progressista, retirando das esquerdas a capacidade de dialogar com a realidade de quem está no desemprego, no desalento, na fila do osso ou mesmo catando lixo para sobreviver. Até bancos e grandes empresas de comunicação usam linguagem neutra, realizam campanhas contra o machismo, racismo e LBGTfobia. E, sem disposição para falsas polêmicas, insisto, tudo isso é importante. Mas, quem realiza campanhas a favor da classe trabalhadora?
Mais do que nunca, o que separará as esquerdas dos demais campos políticos é a capacidade de colocar o trabalho como centralidade de suas atuações e formulações. E se estamos falando de trabalho, falamos de classe social e, consequente, de economia. Em última análise, trata-se desmascarar as formas excludentes e devastadoras pelas quais as sociedades têm se organizado e se reproduzido. Contra um modelo que transforma direitos e pessoas em mercadorias, é preciso apresentar respostas concretas e objetivas, nunca abstratas. É preciso, por exemplo, explicar porque o Brasil é ao mesmo tempo o maior produtor de alimentos do mundo e aqui milhões de pessoas passam fome.
Fazer política é bem mais complexo de criar grupos de estudos. Aliás, grupos de estudos são fundamentais, mas não enfrentam as contradições das disputas reais. A formulação teórica precisa apontar para um futuro promissor para a maioria de nossos povos e isto se dará de forma dialética, dialogando com a realidade de quem tem apenas suas força de trabalho para viver.
Em outras palavras, ou as esquerdas se tornam a força política do futuro, ou serão vistas como parte de sistema criador e reprodutor das atuais crises enfrentadas por nossas sociedades. Em síntese, ou passam a ser forças disruptivas ou serão parte do problema. Além disso, deixará para a extrema-direita a posição de estingue contra “tudo isso que está aí”. Na atual quadra histórica, é a burguesia a classe social mais radical e não adianta setores da esquerda esforçarem-se construir conciliações. Seria como usar tecido novo para remendar roupa velha.