O feminismo em meio ao conservadorismo estrutural da extrema-direita brasileira

O Feminismo é um movimento que reivindica a igualdade política, jurídica, econômica e social entre homens e mulheres, isto é, a igualdade de gêneros! De tal modo, é importante compreender que ele não é uma instituição e não precisa de uma para existir e exigir seu espaço, tendo em vista que ele se constitui como um posicionamento cultural, social e filosófico diante da vida. Ou seja, ele não é exclusivo  de instituições, partidos ou organizações, e não é preciso estar ligado a nenhuma organização ou instituição para  ser feminista e lutar por equidade de gênero. Também não é exclusividade das mulheres lutar por essa bandeira, aliás, existem mulheres que por questões  ideológicas a que prefiro nomear como “pura ignorância”, não só se posicionam contra o feminismo, contra as mulheres, como ainda  votam contra as conquistas ou possibilidades de avanços no campo feminista.

Antes de prosseguir é importante explicar que, segundo a escritora Clenora Hudson-Weems (2020), apesar de muitas mulheres acadêmicas adotarem sem criticas a expressão, o feminismo, historicamente, é um termo que não abarca a todas as mulheres, tendo em vista que ele foi conceituado e assumido por mulheres brancas e em seu surgimento ele “envolve uma agenda projetada para atender às necessidades e demandas desse grupo em particular. Por essa razão é bastante plausível que as mulheres brancas se identifiquem com o feminismo e o movimento feminista” (HUDSON-WEEMS, 2020, p. 41) enquanto algumas mulheres negras e/ou indígenas nao. Ademais, a autora afirma que na raiz desse feminismo, quando surge o movimento sufragista nos Estados Unidos, as mulheres do movimento, brancas e pertencentes à elite ou a classe média, utilizaram argumentos racistas e supremacistas de que “o voto das mulheres deveria ser utilizado principalmente para mulheres brancas de classe média, que poderiam ajudar seus maridos a preservar a dignidade da República contra a ameaça de seres biologicamente inferiores” (HUDSON-WEEMS, 2020, p. 41).  Ou seja, o termo “feminismo” não apenas não incluía as mulheres negras como as excluía completamente sob o argumento supremacista da inferioridade racial.

Explicada essa particularidade em relação ao termo feminismo, é preciso fazer o exercício de pensar a palavra de forma pluralizada, garantindo a inclusão das diferenças nas relações de poder entre as mulheres cujos interesses e pensamentos são diversos e até contraditórios. O importante é pensar a pauta e buscar implementá-la através de políticas públicas que garantam voz, vez e espaço às mulheres. E na conjuntura de um país engessado e estruturalmente machista e racista, as mulheres negras e indígenas devem ter prioridade nessas políticas afirmativas governamentais.

E já que o tema é a política em relação às mulheres e o feminismo como pauta prioritária, não posso deixar de falar de um caso recente que ilustra bem a necessidade de um posicionamento feminista, plural e que explicita a ignorância dessas mulheres que se dizem anti-feministas. O atual governo enviou ao Congresso um Projeto de Lei que cria mecanismos para equiparar salários de homens e mulheres ao exercerem a mesma função. O projeto foi aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados, no entanto, o voto de algumas  mulheres da extremadireita, bem como o voto do lavajatista e fanático religioso Deltan Dallagnol (agora cassado), chamaram bastante atenção. No caso das mulheres chama a atenção pelo fato do óbvio! São mulheres e votaram contra elas mesmas; Será que elas querem ganhar menos que os demais deputados eleitos? Carla Zambelli e Rosângela Moro estão entre essas, eu não me espanto porque a ignorância fez morada no cérebro dessas criaturas. Espero, sinceramente, que um dia tirem os antolhos e vejam que estão atirando contra os próprios pés!

Já no caso do deputado lavajatista, chamou a atenção seu argumento pífio e esdrúxulo de que Mulheres têm que ser submissas, inclusive em relação salarial. Seu argumento, para piorar a situação, sustentou-se na bíblia e não na sensatez. Segundo o ex-deputado, ao justificar seu voto, ele disse “Não é de Deus!”, pois mulheres devem se resignar a ganhar menos segundo a sua bíblia. Essa é uma inequívoca demonstração de como a religião e a bíblia são utilizadas pelo fundamentalismo religioso, machista e reacionário, para manipular social e culturalmente uma sociedade. Este é o discurso do Cristão sem Cristo que prega a intolerância, o preconceito. Vivemos tempos estranhos em que ateus tentam explicar o que Jesus pregou e não foi a intolerância nem a misoginia. Os arautos do “evangelho” (me refiro a estes fundamentalistas religiosos que atuam na política brasileira), como é o caso desse ex-deputado e de muitas das mulheres que acompanham a extrema-direita brasileira, cegos pelo brilho do ouro, esqueceram-se do primeiro evangelizador. São fundamentalistas ao extremo e machistas por vocação.

Esse cenário assombroso ocorrido recentemente mostra que a extremadireita e e fundamentalismo religioso saíram fortalecidos desde a eleição de 2018, que se pautam no fascismo, no extremismo e na subalternização de grupos minorizados. E é exatamente por isso que precisamos cada vez mais reivindicar nossa igualdade política, jurídica, econômica e social. Nesse sentido, é preciso o empoderamento, a consciência de classe para aumentar o poder de combate aos retrocessos e o avançar nas pautas feministas. E cada mulher, seja ela de qualquer etnia, qualquer idade ou grupo social, seja filiada a partidos e movimentos ou não, pode e deve abraçar essa luta que é de todas e todos. O patriarcado tem um pacto de manutenção do status quo. A branquitude tem um pacto que segue o mesmo caminho. Por isso é hora de nós, mulheres, brancas ou pretas, de qualquer idade ou classe social, lutarmos para ocupar todos os lugares, amplificarmos nossa voz e ocuparmos espaços de poder que possam ajudar na implementação de políticas publicas inclusivas e afirmativas fundamentadas no bomsenso e na racionalidade. Mulheres, uní-vos!

Referencias:

HUDSON-WEEMS, Clenora. Mulherismo Africana: Recuperando a nós mesmos. Trad. Wanessa A. S. P. Yano. 1ª ed. São Paulo: Editora Ananse, 2020.

Foto: Memorial do Rio Grande do Sul / Memória dos Movimentos Feministas no Rio Grande do Sul.