O Doutor catástrofe as ameaças à democracia

Na crise de 2008, conhecida como crise financeira do “sub prime”, tornou-se famoso o economista americano Nouriel Roubine que passou a ser conhecido como “doutor catástrofe”. O grande feito de Roubine foi afirmar que a crise que se aproximava seria catastrófica. Roubine teve razão. No Progeb, Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira, projeto criado por mim e atualmente coordenado pelo economista Lucas Milanez, tivemos a satisfação de observar que as previsões do profeta já tinham sido feitas alguns meses antes e publicadas nas nossas análises. Infelizmente, vivemos neste cantinho do mundo que é a Paraíba e nossa voz mal se ouve dentro de nossas próprias fronteiras. Até brincávamos que o Nouriel estava lendo as publicações do Progeb. (Quem duvidar vá ao blog do projeto, progeb.blogspot.com e pesquise nos arquivos dos idos de 2008.)

Agora o Roubine voltou às manchetes. O doutor catástrofe fala novamente: “Desta vez temos uma confluência de estagflação e de uma grave crise da dívida”. E segue a nova profecia: “Então pode ser pior do que os anos 70 e que a crise de 2008”. Parece que o profeta voltou a ler as nossas Análises. O leitor que nos tem acompanhado já sabe que a estagflação está de volta, o que vem sendo reconhecido cada vez mais, embora a contragosto, pois a ideologia econômica oficial não tem explicação para ela. É uma vergonha que precisa ser ocultada. Outra vergonha é a violência da crise que, desta vez, vem associada a dois fenômenos extraeconômicos: o covid-19 e a guerra.

Isto é demais. Não basta a ideologia econômica furada que é aceita e propagada nas universidades e serve de base para os analistas da grande mídia e aparecem dois fenômenos que não cabem dentro dela. O vírus vai sendo superado pela ciência com as vacinas, para desespero do governo. Para a guerra não há soluções econômicas ou científicas. O problema vai para o campo da política e da geopolítica. Eis as grande questão. Continua-se a falar da crise como se fosse apenas um problema econômico. Agora aparecem os arautos da antiglobalização como se a globalização fosse a culpada. Tenta-se inutilmente o combate à inflação com medidas de política monetária. As vezes aparece um iluminado para chamar a atenção, como o presidente do Federal Reserve (Fed) de Atlanta nos EUA, que sugere que as causas do fenômeno são não monetárias e, consequentemente, as medidas de ordem monetária de nada adiantam.

Não importa. Os ouvidos ideologicamente obturados nada ouve. A bíblia monetarista deles tem de ser seguida e os bancos centrais de todo o mundo continuam a subir os juros o que, certamente contribuirá para agravar a crise. O próprio Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), equivalente ao nosso Copom, órgão do Fed, o banco central americano, para esfriar a economia, elevou em 0,75% os juros do país que passaram para o intervalo de 2,25% a 2,50%. O pior é que, apesar da Secretária do Tesouro dos EUA Janet Yellen negar, o país já está em “recessão técnica”, segundo os critérios criados por eles mesmos. Há dois trimestres seguidos que o PIB cai: -1,6% no primeiro e -0,9% no segundo. A economia dos EUA está desacelerando e vai piorar, com graves consequências para o Brasil.

Na Europa a situação também se complica. A Rússia reduziu o volume de fornecimento de gás pelo gasoduto Nord Stream a apenas 20%, o que pode acelerar a recessão na Alemanha, Itália e Hungria e os preços dos alimentos e energia continuam a subir.

A nível internacional temos outros dissabores com a redução das compras de petróleo pela China e Índia, que passaram a importá-los da Rússia. Tudo indica que o nosso saldo positivo da balança comercial vai acabar. Por outro lado, a pressão sobre os preços dos alimentos e combustíveis deve continuar o que alimenta a nossa estagflação teimosamente combatida com elevação de juros, que o BC subiu na última quarta-feira e declara que continuará a fazê-lo.

Apesar da PEC das bondades, que está provocando uma certa reanimação na economia e no emprego, a volta do cipó de aroeira é esperada para 2023 com manifestações iniciais já em dezembro. A crise, por razões eleitoreiras, foi adiada para 2023 e vai agravar-se, mas será um problema para o próximo governo. Por enquanto Bolsonaro espera tirar proveito da frágil recuperação e da redução dos preços dos combustíveis.

No panorama interno as consequências da reunião com os embaixadores convocados pelo presidente estão sendo trágicas para o governo. Provocou o alerta da sociedade civil e está conseguindo uma enxurrada de manifestos, unindo burgueses e proletários em defesa da democracia, diante das pregações golpistas desesperadas do presidente, que já marcou nova data para o golpe: 7 de setembro no Rio de Janeiro. Quase todas as federações de trabalhadores e empresários juntamente com milhares de cientistas, artistas, políticos, empresários, professores etc. já assinaram. Espera-se a leitura no dia 11 de agosto, em São Paulo, na faculdade de Direito.

Infelizmente esta mobilização não está tendo correspondência na política, que se arrasta com os costumeiros acordos de vésperas de eleições como se vivêssemos uma situação normal. Os partidos e partidecos de aluguel fazem conchavos provincianos e familiares como se a atual situação não fosse excepcional. A primária politicagem não os permite ver que esta não é uma eleição normal pois o que está em jogo no momento atual é a própria democracia.