O cristianismo fundamentalista e os vendilhões do templo

A religião é muito presente na vida do brasileiro, sobretudo, a cristã, afinal, a colonização se deu pelo viés do cristianismo medieval. Sendo assim, a cultura do povo brasileiro se fez essencialmente cristã, não por acaso, segundo o IBGE (2010), católicos representam 64% da população e evangélicos correspondem a 22%. Esses dados mostram que 86% da população brasileira é cristã.

Segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo instituto Ipsos, quase nove em cada dez brasileiros dizem acreditar em Deus, no entanto, só 76% afirmou seguir uma religião. Certamente boa parte dessas pessoas que seguem a religião Cristã são adeptas do cristianismo fundamentalista e, dentro desse segmento, muitos são adeptos do fundamentalismo evangélico. Espero ansiosa os dados do senso de 2023, mas enquanto eles não estão disponíveis, é possível acompanhar os dados através de uma pesquisa do Instituto DataFolha de 2019 que traz a seguinte atualização:  Católicos: 50%;  Evangélicos: 31%. Esses dados mais recentes nos mostram uma população cristã de 81% e ainda mais, embora o número total tenha diminuído em 1% – o que pode estar dentro da margem de erros da pesquisa, a população evangélica aumentou consideravelmente.

Com o crescimento dos evangélicos pode-se observar também o crescimento do fundamentalismo religioso e da violência cimentados principalmente entre os  neopentecostais e seu discurso conservador. As igrejas desse grupo especifico são orientadas pela  teologia da prosperidade, cuja origem se dá em solo norte-americano no século XIX, tendo sida desenvolvida no Brasil na década de 1970, através do bispo Edir Macedo, criador da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. Esse crescimento se deu principalmente em comunidades pobres através do discurso salvacionista e de prosperidade financeira a partir da teologia da prosperidade e da pauta dos costumes e seus valores morais intransigentes e fundamentalistas. Esse cenário foi decisivo para o aumento da intolerância religiosa e do racismo religioso no Brasil e gerou um grande número de igrejas de Cristãos sem Cristo.

A palavra “fundamentalismo” foi convencionalmente definida pela primeira vez em 1920 pelo pastor americano da Igreja Batista, Curtis Lee Laws, vinculado ao movimento protestante americano que era contrário ao segmento protestante liberal de fins do século XIX. Laws pregava a afirmação dos dogmas como, por exemplo, a infalibilidade das escrituras.

É importante explicar que a religião é algo eminentemente social, de caráter coletivo, instituída pelos indivíduos que partilham das mesmas crenças e norteados pela mesma moral comunitária. Ela pode interferir politicamente na sociedade e tentar sustentar seus dogmas para direcionar o caminho pelo qual as pessoas devem seguir. É a dominação pela fé, e o fundamentalismo religioso no “modus operandi” brasileiro recente soube muito bem capitalizar essa interferência política que traz consigo desdobramentos gravíssimos!

As ovelhas aguardam no pasto o alimento e os líderes religiosos entregam orações vazias de Cristo, mas que são cheias da malícia daqueles que um dia foram expulsos dos templos por Jesus e que seduzem, no desespero das ovelhas famintas prometendo prosperidade e salvação. São os novos vendilhões do templo, mercadores da fé que muitas vezes incitam explicitamente o ódio e a violência ao invés do amor e do acolhimento pregado pelo Jesus descrito na Bíblia.

Recentemente um episódio ocorrido me convidou a refletir sobre esses fatos, quando uma liderança religiosa da Igreja Batista da Lagoinha sugeriu que  seus “fiéis”  matassem os LGBTQIAP+.  Sua declaração homofóbica e genocida ocorreu durante um culto evangélico em Orlando, nos Estados Unidos, transmitido ao vivo pela internet para todo mundo. Em maio, o pastor comparou gays a criminosos em um culto na mesma igreja. O discurso ultrapassou os limites do conservadorismo e se colocou como fascista, violento e intolerante. Esse é um dos exemplos do “modus operandi” fascista-religioso brasileiro que através da linguagem “pseudo cristã” produz padrões, controla e subjuga grupos inteiros através de um discurso bélico, cheio de ódio e vingança de um deus que em nada se assemelha a Cristo, tendo em vista que a sua postura, na narrativa desses mercadores da fé, é autoritária, totalitária e antipluralista, em suma, um deus fascista!

Se você vai a igreja para encontrar uma palavra de conforto ou de afeto, se busca acolhimento e palavras de amor, nestas igrejas, com certeza, não encontrará. Pessoas fundamentalistas como estas já passaram de todos os limites. Não há resquício de humanidade em suas falas, não há nada de cristão, há crimes, muitos crimes. Eles são verdadeiros arautos da maldade, da discórdia, da mentira e do preconceito. O que há de cristão nesses adjetivos? São seres sem empatia, sem amor, sem nenhum sinal de amor ao próximo ou qualquer sinal de fraternidade. São vazios de afeto e cheios de ódio. São “cristãos” sem Cristo!

Referências

50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos e 10% não têm religião, diz Datafolha. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml. Acesso em 06 dez. 2022.

Por que Brasil está no topo de ranking de países onde mais se acredita em Deus. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c29r21r69j8o. Acesso em 16 Jul. 2023.