Moro tira a máscara
O ex-juiz Sérgio Moro é o lado mais obscuro do lavajatismo, a megaoperação político-jurídica que tomou conta do Brasil nos últimos anos. Com a postura de um justiceiro, ele desarticulou a maior quadrilha de corrupção do século, colocou alguns políticos e empresários na cadeia e conseguiu seu maior trunfo: evitar que Lula fosse candidato a presidente. Muitas vezes, Moro agiu ao arrepio da lei. Mesmo assim, tornou-se uma espécie de super-herói tupiniquim para boa parte dos brasileiros. Mas ele não queria apenas fazer cumprir a lei. Moro queria muito mais.
As revelações trazidas pelo vazamento da troca de mensagens entre Moro e os procuradores da república revelaram o lado partidário da sua atuação. Mancomunado com integrantes da força-tarefa responsáveis pelas investigações, Moro e seus aliados agiram como uma facção política. Combinando ações entre eles, deixando vazar para impressa depoimentos comprometedores e acusando, julgando e condenando em tempo recorde os denunciados, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e caterva conseguiram minar a candidatura do Partido dos Trabalhadores.
Assim que Bolsonaro foi eleito presidente, Moro mandou uma mensagem de felicitação. A fatura pelo trabalho de prender Lula foi apresentada. Sem a operação Lava Jato e o show midiático que a transformou num thriller de tirar o fôlego, dificilmente Bolsonaro teria saído das sombras e alcançado o mais importante cargo político do país. Bolsonaro cedeu. Moro foi nomeado ministro da justiça e alçado à condição de guardião do novo governo. Mas Moro sonhava mais alto.
Jair Bolsonaro tem 30 anos de vida política em Brasília. Conhece os labirintos sombrios do poder. Já pertenceu a dez partidos do Centrão. Sabe evitar o perigo de ser ofuscado. Paulatinamente, foi eliminando seus aliados não confiáveis. Primeiro foi Gustavo Bebiano, homem forte da campanha presidencial. Em seguida, Julian Lemos, responsável por sua candidatura no Nordeste. Depois, uma série de generais foram defenestrados. Ingenuamente, todos eles acreditaram que iriam controlar o ex-capitão, acostumado a lidar com o submundo das milícias.
Sérgio Moro, durante o primeiro ano de governo, cedeu tudo a Bolsonaro. Emprestou sua aura de pureza, honradez e heroicidade. Aguentou em silêncio os desatinos do presidente. Moro queria mais. Desejava ser indicado Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro sentiu o cheiro do perigo. Queria indicar um ministro do STF do bolso do seu colete, que fosse “terrivelmente evangélico”.
Moro poderia ser incontrolável. Bolsonaro se distanciou dele. Moro tornou-se descartável. Já cumprira sua missão. Isolado e sem prestígio com os bolsonaristas, Moro pediu para sair. Mas ele passou a ambicionar muito mais.
Em tom messiânico e salvacionista, típico do moralismo populista de direita, Sérgio Moro lançou sua candidatura a presidente. Ao discursar durante a filiação ao Podemos, Moro apresentou-se em tom de sacrifício.
“Após um ano morando fora, resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo de dentro pra fora. A gota d’água foi encontrar um estudante brasileiro que perguntou: ‘Moro, é verdade que você abandonou o Brasil? ’Aquilo foi como um tiro no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil. Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria o Davi contra Golias”.
No seu discurso, Moro está disposto a se “sacrificar” para livrar o país do lulismo e do bolsonarismo. Ele é a terceira via que setores da classe média e alta antipetistas desejam apoiar. Aquele eleitorado bolsonarista, que se identifica com o discurso moderado, com a ciência e com o combate à corrupção, tem nele seu representante.
Mesmo sem capa e sem espada, Sérgio Moro julga-se o herói necessário para salvar o Brasil. O imaginário político, alimentado por mitos redentores povoados por vilões e mocinhos, reforça o peso político do seu pronunciamento. Foi assim que Bolsonaro se elegeu em 2018. Cabe saber se a história se repetirá, como tragédia ou como farsa, em 2022.