Lá fora a guerra; aqui dentro, as ameaças de golpe
Não podia ser mais adequado ao momento o título da nossa coluna. Os dois fenômenos que continuam a comandar a evolução da economia dentro e fora do país não são fenômenos econômicos, mas políticos. La fora a guerra Rússia-Ucrânia continua com mortes, migrações e destruição. As tropas russas mantem sua ofensiva ocupando a região leste da Ucrânia enquanto o comediante alçado a presidente discursa para os políticos da OTAN e em lugar de paz ele pede mais armas, armas e armas. O povo ucraniano vai pagando em vidas a fatura do belicismo europeu manipulado pelos EUA e gerenciado pelo fantoche. É espantoso como os europeus, a serviço dos americanos, se envolvem em uma guerra que não interessa nem aos seus povos, nem as seus países e nem mesmo aos seus capitalistas,
O efeito bumerangue das sanções continua a ampliar-se. Aumenta a possibilidade de crise na União Europeia (UE) e nos EUA. As sanções aplicadas à Rússia voltam-se contra seus criadores. Como retaliação os russos decidiram vender gás, petróleo e carvão em rublos, obrigando todos a comprarem a sua moeda cuja cotação subiu no mercado. O rublo valorizou-se voltando ao valor anterior à guerra, de 85 rublos por um dólar. Além disso Rússia e China começaram a criar um mercado independente do dólar atraindo o Japão, outros países asiáticos e árabes. O dólar começa a ter seu reinado mundial contestado. O sistema financeiro internacional está posto em xeque. O tiro ocidental está saído pela culatra e os EUA poderão pagar caro.
Como temos observado o comércio mundial vai se desarticulando junto com as cadeias de produção. Os países tendem para a reindustrialização e autossuficiência. Redefine-se a ordem econômica mundial. A globalização que já vinha sofrendo desgaste com a pandemia recebe mais um rude golpe e fica ainda mais enfraquecida. Há mesmo quem fale na desglobalização em marcha. A Organização Mundial do Comércio (OMC) reduziu as suas estimativas de crescimento do mercado mundial de 4,7% para 2,5% neste ano, prevendo uma disrupção imediata do comércio. A UE decidiu proibir a importação do carvão da Rússia, mas manteve o petróleo e o gás que representam 10% e 33% do consumo total do país, respectivamente. Ocorre que o carvão representa apenas 4 bilhões de euros enquanto as duas outras commodities representam 100 bilhões. Muito espertos!
Como era previsto a crise vem provocando a elevação dos preços das commodities e particularmente dos produtos alimentícios. A inflação corrói o poder aquisitivo dos salários provocando reações e protestos. O secretário geral da ONU António Guterres fala em “furação de fome” no mundo. Os governos têm recorrido a subsídios e transferência de renda comprometendo os orçamentos e aumentando a dívida pública.
Todos estes fenômenos adversos abalam a débil recuperação da nossa economia. As notícias não são boas. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) o faturamento da indústria caiu 0,1% em janeiro e 0,2% em fevereiro. A utilização da capacidade instalada ficou em 81% e o rendimento médio caiu 0,1%. A taxa de desemprego, que atingiu 13,2% em 2021, cairá para 11,9% em 2022, segundo estimativas do Boletim Macro, mas a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que inclui os desalentados e indisponíveis) atingirá 23,5%. A inflação continua a ultrapassar os dois dígitos, as taxas de juros tendem a aumentar e o crescimento do PIB deverá ser muito pequeno.
Sem resultados econômicos para apresentar o governo continua a sua campanha para a reeleição. Vários ministros afastam-se para concorrer a cargos eleitorais destacando-se o ministro da defesa, considerado o mais importante pelo presidente “com a tropa em suas mãos”. Em mais um discurso na cerimônia de promoção dos oficiais generais Bolsonaro voltou a falar nas forças armadas como “âncora do Brasil”, “na luta do bem contra o mal”, “em um país conturbado por questões ideológicas, mas lá atrás foi mais difícil e vencemos e agora venceremos novamente.” Em outra cerimônia, na filiação de dois ministros ao PL, ele já havia falado em “batalha espiritual”, “batalha do bem contra o mal” e que “embrulha o estômago cumprir a constituição”. A chantagem de golpe continua. O presidente já havia recebido um grande presente das forças armadas com a “ordem do dia” assinada pelos comandantes das 3 armas e pelo ministro da defesa referente ao dia “31 de março” onde o golpe militar é tratado como movimento que restabeleceu a ordem e impediu “que um regime totalitário fosse implantado no Brasil.” Nenhuma referência é feita ao fechamento do congresso, a cassação de políticos e parlamentares, às prisões e torturas, à revogação das garantias constitucionais, a repressão aos sindicatos e estudantes.
Estimulado com este tipo de manifestação Bolsonaro vem aumentando a intensidade de seus ataques as demais instituições e particularmente a alguns ministros do STF. E tudo continua a correr como se nada existisse de anormal. As instituições, forças políticas e as classes empresariais mantem-se no mais profundo silêncio. A democracia sofre sérias ameaças a partir do próprio presidente do país. Chegou a hora de dar um basta nesta pregação golpista antes que seja tarde.