Foiçada no pescoço da Funai
O duplo assassinato e o esquartejamento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira revelam mais uma faceta trágica do governo Bolsonaro. Intencionalmente, há total descaso do governo federal com os indígenas, principais vítimas dos garimpeiros, dos “grileiros” de terras, dos traficantes, dos pescadores ilegais, dos madeireiros e dos contrabandistas que atuam livremente na região Amazônica.
Bruno Pereira, funcionário de carreira da Funai, perdeu a vida por denunciar e combater esses criminosos. O jornalista Dom Philips foi brutalmente morto por querer revelar ao mundo que aquela parte do Brasil transformou-se em um território dominado pela bandidagem, abandonado pelo poder público.
Durante a campanha presidencial de 2018, Bolsonaro vociferou: “se eleito, vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço”. Ele cumpriu a promessa. Desde que subiu a rampa do Palácio do Planalto, o presidente vem sabotando sistematicamente as operações da Funai e desenvolvendo uma política claramente anti-indigenista.
O desmonte da Funai passa pela ausência de demarcação de terras indígenas, perseguição aos funcionários de carreira, intimidação dos líderes indígenas e militarização do órgão mediante a nomeação de militares e policiais para cargos estratégicos. A Funai tem 39 coordenações regionais, sendo 19 chefiadas por oficiais do exército, três por policiais militares e dois por policiais federais. O Presidente do órgão, Marcelo Xavier, é delegado da polícia federal.
Todos eles não têm formação adequada para lidar com questões tão complexas que envolvem os povos originários e aqueles que ocupam ilegalmente as suas terras. Imaginemos o contrário: indigenistas à frente de chefias estratégicas em órgãos de segurança do exército, da polícia militar ou da polícia federal. Seria inadmissível.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) foi criada em 1967, no auge da ditadura militar. A fundação surgiu em substituição ao Serviço de Proteção do Índio (SPI), órgão federal criado pelo marechal Cândido Rondon. Ferrenho seguidor do positivismo, Rondon defendia que os indígenas fossem paulatinamente integrados à sociedade moderna mediante a “pacificação”. Mas o que se viu ao longo do século XX foi a continuidade da exploração contra os povos originários, iniciada em 1500. Massacres de indígenas, invasão das suas terras, estupros de meninas e assassinatos de líderes. O SPI acobertava os desmandos dos fazendeiros e garimpeiros ilegais. Sob o lema “integrar para não entregar”, a ditadura militar mudou o nome do órgão e decidiu fazer uma intervenção na região Amazônica mais permanente.
Com a redemocratização do país, a Funai passou a contratar técnicos habilitados. Antropólogos e indigenistas passaram a dirigir os destinos do órgão. Mesmo com pouca estrutura e enfrentando grupos poderosos de fazendeiros e madeireiros, a Funai aproximou-se dos povos indígenas e conseguiu estabelecer alguns marcos estratégicos na preservação das terras indígenas e da sua cultura.
Com o governo Bolsonaro a foiçada na Funai foi integral. Os técnicos competentes foram afastados. Os recursos do órgão escassearam e os cargos principais foram entregues para pessoas não habilitadas. As mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips são o resultado sangrento dessa política desastrosa.