Evangélico que não evangeliza, cristão que prega ódio e o extermínio em Gaza
É comum ouvir de alguém que é católico não praticante. O termo se refere para definir pessoas que, apesar de batizadas e se autodeclararem católicos, não praticam a religião conforme estabelecida pela Igreja Católica. Mas ser católico não praticante não é o caso, muitas vezes, do cristão sem Cristo, pois muitos desses não-praticantes não estão dentro da igreja frequentemente por muitos motivos, dentre eles, por quererem se afastar do fundamentalismo religioso que tem, ao longo dos séculos de história, assassinado muitas pessoas em nome de Deus.
Outro fenômeno que agrega aos cristãos sem Cristo é o do evangélico que não evangeliza e que busca apenas, muitas vezes, uma teologia da prosperidade fundamentada numa moral própria, fundamentalista, e que nem de longe visa o coletivo, a igreja propriamente dita, tendo em vista que a prática comunitária é essencial à vida cristã. Ademais, corroborando com o sentido coletivo, a etimologia da palavra Igreja (do grego: ἐκκλησία) traz em si o próprio sentido do coletivo e político da convocação dos cidadãos atenienses para reunirem-se em praça pública, a ágora (do grego: ἀγορά) para discutirem e deliberarem sobre a administração da cidade.
Outra questão que relaciona a igreja e o coletivo é o próprio conceito de religião, já que ela é eminentemente social, de caráter coletivo, instituída pelos indivíduos que partilham das mesmas crenças e norteados pela mesma moral comunitária. Mas em seu viés fundamentalista, ela domina pela fé e capitaliza essa dominação em benefício próprio dos seus líderes e não da “igreja”. Através de “orações” vazias, essas lideranças religiosas impõe uma única verdade (a deles), manipulam seus fiéis e incitam o ódio, ao invés do amor e ameaçam a igreja para que ela viva e sobreviva entre a cruz e a espada. Desse modo, ou se aceita sua cruz, ou se morre pela espada, mesmo que essa morte ocorra apenas simbolicamente
A palavra “fundamentalismo” foi convencionalmente definida pela primeira vez em 1920, pelo americano da Igreja Batista, Curtis Lee Laws, vinculado ao movimento protestante americano que era contrário ao segmento protestante liberal de fins do século XIX. O termo faz referência a um movimento teológico protestante conservador, daquele período, de reação à modernidade, ao liberalismo na teologia e à ciência. Os fundamentalistas religiosos seguem até os dias atuais negando à ciência através de uma postura cada vez mais conservadora, e isso a gente viu no Brasil nas últimas duas eleições. Em resumo, esses são cristãos sem Cristo que incitam a guerra, as mentiras e o ódio, ao passo que negam a ciência e uma educação libertadora.
Mas aí você deve estar se perguntando: e a guerra entra onde? Bem, a guerra tem muitas faces e mata ou sufoca de muitas formas. No Brasil temos uma sangrenta guerra nas favelas, nas comunidades e contra os grupos mais vulneráveis socialmente, como pessoas negras, pessoas lgbtqiap+, mulheres… Nessa guerra o patriarcado e o fundamentalismo estão pesadamente armados, os demais grupos, não!
Ainda no Brasil, esse fundamentalismo “cristão” destrói terreiros de candomblé, destrói símbolos referentes às religiões afro-brasileiras ou afro-ameríndias, mata mulheres e homens negros (os apagamentos são modos de matar a identidade e a existência do outro) etc.
Na medida em que crescem, esses grupos vulnerabilizam ainda mais outros grupos. Eles vão ocupando espaços e se armando (literalmente), ocupam as favelas e traficam drogas, são os narcopentecostalistas religiosos. Recentemente, durante a pandemia da COVID19, surgiu, na Zona Norte do Rio de Janeiro, um novo complexo de favelas denominado de “complexo de israel”. Na expansão de seu domínio, o criminoso Álvaro Malaquias Santa Rosa e a facção denominada Terceiro Comando Puro, controlam a venda de drogas na área que tem cerca de 134 mil habitantes. Além de controlar o tráfico na área, Álvaro Malaquias, convertido ao neopentecostalismo evangélico, impõe a religião que ele acredita, de modo que os moradores, nesse caso, ficam entre a cruz e o fuzil. Seu exército, denominado exército do Deus Vivo, tem assassinado quem se contrapõe ao líder narcoevangélico com requintes de extrema crueldade.
No “complexo de Israel”, está hasteada a bandeira de Israel e há ainda a Estrela de Davi em alguns pontos, para demarcar o domínio de Álvaro, também chamado de Peixão, em alusão ao peixe enquanto antigo símbolo cristão. Nunca é demais lembrar que desde as eleições de 2018 a bandeira de Israel tem sido amplamente utilizada no Brasil por fundamentalistas religiosos adeptos do que se convencionou chamar, no Brasil, de bolsonarismo.
Enquanto o extermínio de pessoas negras e pobres, em nome de Deus e da moral fundamentalista, avança nas favelas e comunidades brasileiras, outra parte do mundo revela que o fundamentalismo religioso, que ao longo da história matou e sentenciou tantas pessoas como as mulheres ditas “Bruxas”, segue exterminando grupos e se impondo de modo político e militar. Esse é o caso da sangrenta guerra entre Israel e o Hamas que tem atingido milhares de palestinos, mulheres, homens e crianças, em toda extensão da faixa de Gaza, em uma nefasta disputa por territórios que antes já foram ocupados por diferentes povos, como hebreus e filisteus, dos quais descendem israelenses e palestinos. Apesar de muitos julgarem essa como sendo uma guerra santa, não há nada de santificado no assassinato de milhares de pessoas inocentes.
Os conflitos entre Israel e Palestina vem desde a década de 1940, com o inicio do movimento sionista que defende a formação de um Estado Nacional próprio para judeus na Palestina. A palestina compreende, hoje, os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Hoje, a guerra na região é um verdadeiro massacre e um desastre humanitário que tem o apoio dos Estados Unidos e sua indústria bélica e, no Brasil, tem o apoio de um grande grupo de evangélicos e católicos fundamentalistas que se apoiam em um falso argumento religioso: o da terra prometida, tendo em vista que a “Faixa de Gaza” é um território com 41 km de comprimento por 10 km de largura situada fica entre Israel, Egito e o mar Mediterrâneo, fazendo parte, portanto, de um território mais extenso conhecido como a terra santa.
É importante compreender que a maioria da população da Palestina é muçulmana sunita, apesar de ainda existir uma minoria cristã. Por questões políticas hegemônicas, a liberdade religiosa, sobretudo em Gaza, sob o domínio do Hamas, é restrita. Já os judeus acreditam em Yhwh (Javé ou Jeová) e seu livro sagrado é o Torá ou Pentateuco. Para os judeus, a terra prometida é um importante elemento de sua história sagrada; para os palestinos, a região também tem um significado religioso essencial, por isso, ambos reivindicam ter direitos sobre o território com base em suas crenças espirituais. Como se pode perceber, as questões religiosas desempenham um papel central na desproporcional guerra entre Israel e o Hamas.
O Brasil, através do presidente Lula, tem tentado intermediar um cessar fogo nessa guerra sangrenta, adotando uma postura diplomática e coerente. No entanto, cristãos, principalmente evangélicos fundamentalistas e bolsonaristas, tem atacado a postura do governo e defendido a guerra de Israel e esse apoio, além da captação de votos por parte de políticos de extrema direita, está relacionado às bases teológicas que se identificam com o Velho Testamento e naturalizam a violência a partir do discurso bélico-religioso que justifica o uso da violência em face ao maniqueísmo religioso no qual duelam Deus e o Diabo, o bem e o mal.
O Papa Francisco, assim como o governo brasileiro, também foi agredido só que por católicos e católicos fundamentalistas, aqueles que geralmente não saem de dentro das igrejas, por defender a paz em Gaza. O Papa afirmou que a situação é desesperadora. As críticas ferrenhas ao dirigente máximo da igreja católica partiram de católicos praticantes que mesmo dentro das igrejas não conseguem pensar no bem coletivo.
Estabelecida a relação entre evangélicos que não evangelizam, cristãos que pregam ódio e o extermínio em gaza, assevero que toda guerra é estupida, pois ela desumaniza e mostra a face mais nefasta e desumana de uma pessoa. E usar a religião, a fé ou a espiritualidade de um grupo ou comunidade para manipulá-los, incitando a guerra e o ódio, só mostra o quanto à humanidade se afastou do Cristo que prega a paz e o amor incondicional. As guerras mostram o quanto é imoral e brutal a ganância dos que fazem a guerra e que, de modo fundamentalista, produzem uma guerra de fundo político sob o verniz religioso.
Referências:
ALESSI, Gil. A ascensão do narcopentecostalismo no Rio de Janeiro. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-03-27/a-ascensao-do-narcopentecostalismo-no-rio-de-janeiro.html. Acesso em 08 nov. 2023.
Traficantes usam pandemia para criar ‘Complexo de Israel’ unindo cinco favelas na Zona Norte do Rio. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/24/traficantes-usam-pandemia-para-criar-novo-complexo-de-favelas-no-rio-deixam-rastro-de-desaparecidos-e-tentam-impor-religiao.ghtml. Acesso em 08 nov. 2023.
MORI, Letícia. Por que tantos evangélicos defendem Israel? Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/clkjxpvjxjgo. Acesso em 08 nov. 2023.
Excelente Drª Regina, o fundamentalismo religioso é uma arma que continuam matando.
Agradeço por seu feedback, meu caro Luiz