“Deus da Direita” & “Deus da Esquerda”
Passadas as eleições, recebi de um amigo um texto que gostaria imensamente de dividir com você, meu querido/querida leitor/ leitora. O texto a seguir é uma reflexão do pastor, teólogo, historiador, pedagogo e cientista da religião Adriano Trajano, com quem tive o prazer de dialogar em muitas oportunidades durante seu doutoramento. Na época eu cursava o mestrado, ele o doutorado. Pagamos disciplinas juntos, conversamos muito e aprendi com ele, enquanto uma pessoa extremamente humana, que ser evangélico não significa, necessariamente, ser reacionário. Boa leitura!
Segue o texto:
Deixei a poeira baixar e me segurei ao máximo para não responder às bobagens sem lógica, sem nexo e, muito menos, sem base, presentes nos vídeos divulgados na internet nos últimos três meses contra a campanha da esquerda. Infelizmente, as cores da nossa bandeira se tornaram símbolos partidários e de dominação por parte da extrema direita – se apropriaram indevidamente destes. Até o nosso hino nacional se tornou “propriedade partidária”. Pois bem, o embate entre amarelo e vermelho mais uma vez estava posto na configuração eleitoral brasileira. De um lado, os “defensores da pátria” do outro os “esquerdopatas”, aqueles velhos “defensores do aborto”. Estavam postos os partidos de “Deus”: direita e esquerda.
Os vídeos extremamente disseminados mostravam uma esquerda diabólica, inimiga da igreja e dos valores cristãos. Infelizmente, no seio evangélico, sobretudo, foram amplamente divulgados e venerados por inúmeros líderes destas igrejas nos quatro cantos do Brasil. De acordo com o que foi veiculado nestes vídeos, a esquerda não passava de um “império do mal”. Apresentavam o candidato petista como um “abortista”, inimigo da vida, um disseminador de iniquidades, contrários aos planos divinos presentes na santa Palavra de Deus. Recebi dezenas desses vídeos demonizando a esquerda, inclusive, tive que ouvir dezenas de evangélicos, colegas pastores, exclamarem que não votariam no PT, pois se tratava de uma ameaça aos princípios bíblicos e, principalmente, ao povo de Deus. Vi fieis sendo repreendidos e disciplinados por pensarem diferentes das suas lideranças. Mais uma vez a esquerda “anticristo” estava no foco e o “abortista” à espreita.
Bom, um líder religioso declarar voto em determinado candidato é justo e coerente.De fato uma liderança religiosa precisa se posicionar diante da sua comunidade e da sociedade. Agora, induzir, obrigar e ameaçar os fiéis a votarem no seu candidato merece outra análise.Tal atitude é digna de críticas, é inaceitável. O “mar de iniquidade” pregado por muitas igrejas acabou vencendo o “bem” mais uma vez. Não conseguiram abater o “abortista” (contém ironia). A oração foi pouca?
Gostaria de saber o seguinte: Por que Deus permitiu a vitória do PT nos dois turnos? Estaria Deus a favor do “mal” e contra seus “seguidores”? As profecias falharam? Será que o Espírito Santo falhou no convencimento dos eleitores crentes? Teria o povo crente errado? Parte dos Pastores e pastoras, missionários e missionárias e parte das lideranças eclesiais Brasil afora, pregou veementemente contra a esquerda, demonizou e levantou toda sorte de mentiras contra a campanha petista. Até parte dos meus familiares foi ludibriada em nome de Deus. Parte dos “Influencers” evangélicos também se encarregou do processo de diabolização e infernalização esquerdista. O clima eleitoral evangélico foi tenso. E agora, “santa” igreja? A intensa e massiva proliferação de mentiras fez com que a eleição fosse decidida no 2º turno.
Meus caros colegas de ministério pastoral, suas pregações, além de causarem medo e pavor em muitos evangélicos e seus líderes, não serviram para convencer o povo de Deus, nem mesmo para impedir a ascensão mais uma vez do “império do mal”. Pois bem, grandes denominações declararam publicamente apoio ao nobre “patriota”, exaltando-o como um verdadeiro representante dos valores cristãos. Bom, declarações como esta, não são novidades na historiografia cristã brasileira, pois o sistema denominacional sempre ficou e ficará ao lado do sistema político do “toma lá dá cá”.
Ainda bem que Deus não dá ouvido às conversas tolas, tampouco, às lavagens cerebrais lucrativas. Acredito que a vitória do Lula é mais uma vez, a resposta aos seus algozes “crentes”. O choro de muitos “cristãos” em verde e amarelo não é digno de fé. A esperança, a verdade e o amor sempre vencerão o medo e a discórdia nesse Brasil crente por natureza.