CPI das Fake News: a que será que se destina?
No dia 21 de agosto de 2019 foi aprovado o requerimento para instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news (com 276 votos dos deputados e 48 de senadores). No dia 4 de setembro foram dados início aos trabalhos, tendo sido eleito como presidente o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) e como relatora a deputada Lídice da Mata (PSB-BA). A comissão é composta por 16 titulares e 16 suplentes (Senadores e Deputados, respectivamente).
A finalidade é a de investigar, no prazo de 180 dias, os “focos da produção em larga escala de notícias falsas”, assim como os “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; e o aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio”.
Uma de suas principais finalidades é o de instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, visando combater a desinformação a partir da definição de normas relacionadas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas.
Iniciados os trabalhos da comissão em setembro de 2019, foram suspensos no dia 20 de março de 2020 em função da pandemia e com isso ficaram suspensos o prazo de 180 dias que havia sido estabelecido inicialmente, como também às atividades de todas as comissões temporárias do Congresso Nacional.
Retomado os trabalhos, no dia 30 de junho de 2020, o Senado aprovou o texto-base do Projeto de Lei 2630/2020 (PL das fake news). O relatório final foi votado mesmo com pedidos de adiamento feitos por entidades da sociedade civil e empresas do setor. Foram 44 votos a favor e 32 contra, e duas abstenções.
Sua aprovação foi uma derrota para o governo, tendo o próprio presidente da República orientado seus aliados a votarem contra a matéria. Aprovado no Senado seguiu para a Câmara dos Deputados, onde ainda se encontra para ser votado.
Em relação à fake news é importante destacar que o relatório final da CPI da Covid, aprovado no final de outubro de 2021, tem um capítulo específico sobre notícias falsas “Desinformação na pandemia (fake news)” (p.663-882) e define como notícias falsas “texto, áudio, vídeo ou imagem não ficcional que, de modo intencional e deliberado, consideradas a forma e as características da sua veiculação, tenha o potencial de ludibriar o receptor quanto à veracidade do fato” (São excluídos opinião, expressões artística e literária, e conteúdo humorístico).
Afirma existir sete núcleos de atuação (comando, formulação, execução e apoio às decisões, um núcleo político e outros para produção, disseminação e financiamento de fake news) e ao se referir “as condutas criminosas de desinformação de
agentes públicos e privados (…) constatou-se a ausência de uma tipificação penal para
punir de forma satisfatória as pessoas que divulgam informações falsas. Por isso,
ao analisar “quase uma centena de proposições, que estão em andamento no Congresso Nacional, com vistas a coibir a disseminação de fake news, especialmente quando ela ocorre por meio das redes sociais” propõe 17 ações legislativas (aperfeiçoamento na legislação) visando coibi-las, entre elas, a que cria uma lei contra a desinformação, prevendo também a criminalização para a criação e disseminação de notícias falsas em relação à saúde, à segurança e à economia.
E entre outros aspectos, prevê pena de prisão de seis meses a dois anos para disseminação de informação falsa que poderá ser acrescida em dois terços em caso de obtenção de vantagem por parte de quem dissemina e em caso de estar relacionada à saúde pública, a pena sobe de dois para quatro anos (O tempo pode aumentar, ainda, da metade ao dobro se o autor for funcionário público ou profissional de comunicação).
Aprovado no Senado, o presidente da Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho logo em seguida (junho de 2020) que apresentou um relatório no dia 7 de dezembro de 2021, um ano e meio depois, tendo como relator o deputado Orlando Silva (PC do B/SP). O texto estabelece novas regras para as redes sociais, ferramentas de busca e de serviços e aplicativos de mensagens e torna crime a divulgação de fake news. Pelo projeto, passa a ser crime: a disseminação em massa de mensagens com informações falsas por meio de contas automatizadas, as chamadas “contas-robôs”. A pena prevista é de 1 a 3 anos de prisão e multa.
Foram sugeridas várias alterações em relação ao texto aprovado no Senado. Algumas modificações são quanto à abrangência da lei: a proposta incorporada pelo relator traz regras para os provedores de redes sociais, como Facebook e Instagram, serviços de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Telegram e estendeu ainda a aplicação da lei para ferramentas de busca, como Google e Yahoo, excluindo a proposta que obrigava as empresas estrangeiras terem sede no País, mas mantendo a obrigação de manterem representantes legais.
As regras incorporadas pelo relator incidirão sobre provedores que oferecem profissionalmente e com fins econômicos, serviços ao público brasileiro, que tenham mais de dois milhões de usuários registrados, inclusive as empresas sediadas no exterior, ficando excluídos das regras as empresas jornalísticas, enciclopédias online sem fins lucrativos, repositórios científicos e educativos ou plataformas de desenvolvimento e compartilhamento de software de código aberto.
Também foi excluída uma proposta que poderia possibilitar o rastreamento de usuários como a guarda, por três meses, dos registros de mensagens encaminhadas em massa e o que possibilitava às empresas requererem documento de identidade dos responsáveis pelas contas. Além disso, criou um novo crime: promover ou financiar disparo em massa de mensagens inverídicas com o uso de robôs, além da exigência de notificação para as moderações feitas pelos provedores e a garantia do contraditório e de reparação no caso de moderação inadequada.
Além disso, determinou a criação pelos provedores de uma instituição de autorregulação a ser supervisionada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br). O objetivo é o de criar e administrar uma plataforma digital voltada ao recebimento de denúncias sobre conteúdos ou contas. Entre as atribuições do comitê cabe estabelecer diretrizes para a elaboração do Código de Conduta dos provedores assim como “a missão de revisar decisões sobre moderação de conteúdos e contas, por meio de provocação daqueles afetados diretamente pelas decisões”. E aos provedores, que criem mecanismos voltados à transparência e à responsabilidade no uso da internet.
Outros aspectos importantes dizem respeito a conteúdos jornalísticos, prevendo que os utilizados pelos provedores sejam remunerados e ainda que listas de transmissão só poderão ser encaminhadas e recebidas por pessoas que estejam identificadas.
A proposta também sugere a proibição de venda de softwares, plugins e quaisquer outras tecnologias que permitam disparos massivos nos serviços de mensagens e obriga os provedores a “criarem soluções para identificar e impedir a utilização de mecanismos externos de distribuição massiva”.
Outro aspecto diz respeito a provas em investigação criminal, e propõe que a autoridade judicial possa determinar aos provedores de serviço de mensagens instantâneas “a preservação e disponibilização dos registros de interações de usuários determinados por até 15 dias, renováveis até o máximo de 60 dias, vedados os pedidos genéricos ou fora dos limites técnicos do serviço e que a autoridade policial ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente aos provedores de serviço de mensagens a preservação dos dados”.
No caso de exclusão, indisponibilização, redução de alcance e sinalização de conteúdos ou contas, os provedores deverão notificar o usuário sobre a natureza da medida aplicada, a sua fundamentação, quais os procedimentos e prazos para o direito de revisão da decisão.
Prevê ainda que as plataformas disponibilizem canal próprio “destacado e de fácil acesso para consulta permanente das informações prestadas, para formulação de denúncias sobre conteúdos e contas e para o envio de pedido de revisão de decisões” e que “Caso haja um dano individual ou difuso a direito fundamental, a autoridade judicial poderá determinar aos provedores uma reparação, que consistirá no envio de informações a todos os impactados pelo conteúdo problemático, com o mesmo alcance do conteúdo inadequado”.
Há outras propostas importantes como a que diz respeito a contas inautênticas e robôs, mantendo a proibição do funcionamento de contas automatizadas (geridas por robôs) não identificadas como tal ao usuário ou à plataforma, a criação de uma lei que torna crime promover, constituir, financiar ou integrar ação coordenada, mediante uso de contas automatizadas (robôs) e “outros meios ou expedientes não fornecidos diretamente pelo provedor de aplicação de internet, para disparo em massa de mensagens que veiculem conteúdo passível de sanção criminal ou fatos comprovadamente inverídicos capazes de colocar em risco a vida, a integridade física e mental, a segurança das pessoas, e a higidez do processo eleitoral”.
Quanto à atuação do Poder Público, manteve a proposta de que as contas em redes sociais do presidente da República, governadores, prefeitos, ministros de Estado, parlamentares, entre outros agentes públicos, não poderão restringir o acesso de outras contas às suas publicações e, importante, veda a “destinação de recursos públicos para publicidade em sítios eletrônicos e contas em redes sociais que promovam discursos violentos destinados ao cometimento de crimes contra o Estado democrático de direito”.
Os trabalhos da comissão só deverão ser retomados depois do recesso parlamentar, com previsão para o início do próximo ano. O problema é que com maioria na Câmara dos Deputados, tendo o chamado centrão à frente, apoiando o governo e sem mobilização e pressão popular, é possível que o conjunto das propostas não seja aprovado, e assim, para responder a que se destina, diria que em que pese o esforço de muitos parlamentares comprometidos com a verdade e no combate às fake news, o temor é que se destine ao esquecimento (como se teme em relação à CPI da Covid), sem que sejam aprovadas medidas importantes apresentadas no relatório e assim dando importante munição para as milícias digitais, que tiveram um papel importante nas eleições de 2018 e certamente terão nas eleições do próximo ano.