Ciro: o ególatra
Em 2010, tive a oportunidade de participar de uma longa conversa com Ciro Gomes. O encontro durou aproximadamente três horas. Poucos políticos brasileiros têm a perspicácia, o preparo intelectual e o pragmatismo do ex-governador do Ceará. Também deu para perceber o quanto Ciro Gomes adora Ciro Gomes.
A vaidade e o egocentrismo são inerentes a todos os líderes. São características do mundo da política, da cultura, da academia. Os políticos profissionais adoram ser admirados, ouvidos e reverenciados. Uns conseguem disfarçar. Outros nem tanto. Ciro Gomes pertence ao segundo grupo. Sua vaidade é proporcional à sua inteligência.
Ciro Gomes teve uma trajetória política meteórica. Em 1982, foi eleito deputado estadual pelo PDS. No ano seguinte, ingressou no PMDB. Em 1989, assumiu a prefeitura do Ceará, cargo que ficou apenas 15 meses. Em 1990, já no PSDB, Ciro concorreu ao cargo de governador do Ceará, sendo eleito com 56% dos votos.
A partir de 1994, Ciro Gomes começou sua projeção nacional. Indicado pelo presidente Itamar Franco, assumiu o Ministério da Fazenda. Em 1998, foi candidato pelo PPS a presidente da república pela primeira vez, obtendo apenas 10% dos votos. Ciro Gomes concorreu à presidência mais duas vezes: 2002 e 2018. No segundo turno do último pleito eleitoral, saiu do país. Recusou-se a fazer campanha para Fernando Haddad (PT). Faltou grandeza. A tragédia que assola o Brasil poderia ter sido evitada.
Em entrevista concedida na última segunda-feira, Ciro Gomes foi, mais uma vez, Ciro Gomes. Sugeriu que Lula se candidatasse a vice-presidente. Numa comparação superficial com o que ocorreu na Argentina. Provavelmente numa chapa em que ele próprio seria o candidato a presidente. Vitaminado com a força capilarizada que Lula e o PT têm por todo o país, Ciro se tornaria uma candidatura viável.
Sob o argumento da “necessária pacificação nacional”, Ciro Gomes apelou para um gesto de humildade de Lula que, por sua vez, só não foi candidato a presidente em 2018 por obra e graça do ex-juiz, ex-ministro e ex-bolsonarista Sérgio Moro. Humildade que faltou a Ciro na última eleição presidencial.
Romper com a polarização existente no cenário político atual é uma quimera. Ciro sabe que Lula e Bolsonaro já ocupam os lados opostos do ringue eleitoral. Sua jogada política é a tentativa de criar uma auto-imagem de estadista. Na sua concepção, só ele poderá pacificar o Brasil.
No clima de belicosidade existente no país, cada vez mais dividido entre lulistas e bolsonaristas, difícil é convencer o eleitorado de que uma terceira via, cristalizada em Ciro Gomes, é a mais viável. Ciro corre sério risco de amargar, mais uma vez, uma fragorosa derrota no próximo ano.