A nova globalização e a guerra
A semana foi pobre em acontecimentos econômicos. Poucos foram os dados divulgados e os que foram confirmaram a continuação do crescimento lento mais constante. O Banco Central (BC) continuou fiel à sua ideologia mantendo a Selic em 13,75%, apesar dos apelos dos mais diferentes analistas e associações de empresários. Merece comemoração apenas o fato do BC não mais falar em elevação dos juros.
As atenções voltaram-se todas para o Congresso onde se desenrolou a batalha da reforma fiscal que terminou com a sua aprovação. O texto proposto pelo governo recebeu muitas alterações fruto dos entendimentos e articulações onde se destacou o papel do presidente da Câmara Artur Lira e do relator Agnaldo Ribeiro. Foram também aprovadas as alterações sobre o CAF, o Conselho Administratio Fiscal, configurando mais uma vitória do governo. O novo arcabouço fiscal foi adiado para depois do recesso durante o mês de julho. É de destacar a grande derrota do Bolsonaro que recomendou pessoalmente a votação contra o projeto da reforma fiscal e não conseguiu unir nem o próprio PL . Tornou-se público o choque entre ele e o governador de São Paulo e ficaram mais uma vez expostas as divergências dentro do próprio bolsonarismo entre os fanáticos e uma parcela da direita mais moderada. O projeto que trata do arcabouço fiscal que substituirá o teto dos gastos ficou adiado para depois do recesso de julho. Tudo indica que teremos um período de alguma calma nas atividades parlamentares, mas grandes conspirações nos estados e municípios na preparação das eleições do próximo ano.
A nível internacional, não foram observadas grandes alterações nas tendências que temos destacado. Enquanto a economia prossegue em desaceleração, agora chamada de “pouso suave”, continua a desestruturar-se a globalização, como a conhecemos, diante dos fatores já por nós apontados destacando-se a pandemia e a guerra da Ucrânia. Toda a discussão sobre as novas estratégias onshore, nearshore, offshore, friendshore, indicam as tentativas de rearrumar a casa mundial. Como resultado da guerra destruíram-se os canais de circulação do comércio internacional bem como desagregaram-se as cadeias de valor e os países da OTAN viram a vulnerabilidade de suas estratégias, principalmente em relação ao abastecimento de matérias primas, componentes e energia. A forma de integração das economias adotada levou a um impasse. Como o capitalismo não pode sobreviver sem a globalização trata-se de encontrar outras formas de fazê-la. As diversas tentativas, que buscam conciliar os diversos interesses, estão em andamento. Por um lado, os grandes grupos capitalistas, e o sistema financeiro, mas temos de levar em conta também os interesses dos estados nacionais, que frequentemente não coincidem. É preciso acrescentar ainda as questões militares e geoestratégicas que envolvem os grandes complexos industrial-militares que são os ganhadores com a guerra. Os debates envolvem novas terminologias para designar as alterações que estão sendo consideradas.
Torna-se necessário realocar empresas e investimentos em todo o planeta atendendo aos diversos interesses. Fala-se em deslocamentos “onshore” (trazer para dentro das fronteiras a produção), nearshore (trazer para países mais pertos estas empresas), friendshore (trazer para os países amigos), etc. As atividades offshore (em lugares distantes) mostraram sua grande inconveniência nos casos de guerra ou de desentendimentos com outros governos. As opções são poucas e exigem complicados cálculos econômicos e estabelecimento de novas alianças. O problema é que isso envolve muitos países e nesta hora cada um tenta tirar os maiores proveitos, o que esperamos que o nosso país também o faça. Aliás o atual governo vem operando com bastante habilidade e as viagens realizadas pelo presidente trabalham neste sentido. Não só a brutalidade da guerra exige ações, mas a busca por uma nova posição na integração da economia mundial torna-se muito importante.
Neste sentido merece destaque a perda de influência dos EUA e do dólar e o nascimento de novas forças sediadas nos BRICS, nos países da Asia, da África, da América do Sul e do mundo Árabe. No banco dos BRICS e no Mercosul têm sido feitas importante tentativas para a criação de moedas de referência para o comércio internacional, que possam servir de alternativa ao dólar.
A guerra tornou-se o maior fator de perturbação da ordem mundial. Continua a exaurir e desequilibrar os orçamentos dos países envolvidos e o descontentamento nas populações já começa a provocar reações, o que vem ocorrendo na França, Inglaterra e Alemanha. A solução para o conflito parece que não poderá ser encontrada fora de negociações para a paz. Dificilmente as populações dos países da Europa estarão dispostas a enfrentar uma guerra com a Rússia em defesa da Ucrânia. Já se disse que um país com o maior arsenal nuclear do mundo não perderá jamais uma guerra, o que é verdade.
O resultado poderá ser a catástrofe geral, risco que os europeus não estarão dispostos a correr. A Rússia não sairá derrotada, não devolverá a Crimeia nem a faixa ocupada do leste da Ucrânia onde a maioria da população é russa. Aliás estas regiões, bem como toda a Criméia, durante muitos anos fizeram parte da própria Rússia. A Criméia foi entregue para administração da Ucrânia, pela Rússia, quando eles faziam parte da mesma união de repúblicas, a URSS.
Neste momento, mesmo os países da OTAN, mostram-se preocupados com a possibilidade de desagregação do governo russo e a subida ao poder de alguém mais temível que o Putin, depois da revolta de elementos do batalhão Wagner, liderados pelo Prigozhin. Esta revolta revela um outro fenômeno nestas guerras atuais: a terceirização da guerra. Já havíamos visto falar do batalhão Azov que, luta a serviço do governo da Ucrânia e agora temos este outro grupo. Surgem então relatos sobre diversos grupos mercenários que têm sido contratados por diferentes governos, entre os quais os próprios EUA.
Torna-se muito difícil fazer prognósticos para a situação mundial diante de todos estes fatos. Além de fatores econômicos, políticos, geopolíticos, culturais temos de levar em conta os fatores militares. Há um bando de generais desocupados e frustrados desejosos de pôr em prática os ensinamentos que receberam nos quarteis e escolas militares e que agem a serviço dos complexos industrial-militares, que estão ganhando rios de dinheiro com o conflito. É difícil prever até onde vai a loucura desta gente que pode nos levar irresponsavelmente ao holocausto final.
Foto: Valentyn Ogirenko/Reuters