A ilusão da terceira via
As recentes pesquisas eleitorais e o sentimento revelado nas últimas manifestações de rua apontam para uma crescente polarização entre Jair Bolsonaro (sem partido) e Lula (PT). Tudo indica que a construção de uma terceira via é tão ilusório e ineficaz quanto o “tratamento precoce” de Cloroquina contra o Covid-19.
De quatro em quatro anos, vem à tona a discussão sobre a possibilidade de haver espaço político para a efetivação de uma terceira via na eleição presidencial. E, a cada quadriênio, quando as urnas são lacradas, essa ideia torna-se fumaça.
Desde 1989, ano em que os brasileiros voltaram a escolher seu presidente democraticamente, o país gira em torno do PT e seus opositores. O antagonismo entre a esquerda moderada e a direita liberal tem sido a tônica das disputas para ocupar o Palácio do Planalto. Lula, inegavelmente, ocupa o centro dos pleitos.
Na eleição de 1989, Ulisses Guimarães (MDB), Afif Domingos (PL), Mario Covas (PSDB), e outros postulantes de menor potencial, tentaram apresentar-se como uma terceira via entre Lula (PT) e Collor de Melo (PRN). Fracassaram diante de um país polarizado.
O fenômeno da polarização repetiu-se nas eleições seguintes. Em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, PT e PSDB disputaram a presidência e mantiveram a hegemonia do processo político, sem espaço para uma terceira via. Ciro Gomes e Anthony Garotinho fracassaram ao almejar romper com essa polaridade.
Com a crise econômica e aumento do desemprego a partir de 2014, além das denúncias da Operação Lava Jato, a polarização entre a esquerda moderada e a direita radical se aguçou. Na eleição de 2018, grupos radicais de direita ganharam força com a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).
Impossibilitado de concorrer, Lula lançou o desconhecido Fernando Haddad (PT). Mesmo assim, o pleito só foi decidido no segundo turno. Ganhou o ex-capitão Bolsonaro. Ficaram de fora Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), apresentados como uma possível terceira via.
Em política, um ano é uma eternidade. Muita coisa pode mudar até outubro de 2022. Mas a tendência de polarização entre Lula e o candidato da direita, seja Bolsonaro ou outro qualquer, já está cristalizada pelo processo histórico recente do país.