A herança maldita é para todos

Embora alguma melhoria já possa ser sentida na vida das pessoas e em alguns indicadores econômicos como o aumento do emprego, a queda da inflação, o aumento real dos salários, ainda não houve tempo para se ver resultados da ação do novo governo. O que estamos assistindo é consequência apenas da volta do funcionamento do aparelho de estado paralisado pela incompetência da quadrilha que se apossou do poder. Bolsonaro não governou. Usou o estado para seu deleite com motociatas, passeios de helicóptero, despesas pessoais com cartão corporativo, viagens, férias em locais privilegiados etc. Foi um longo período de farras e festividades para o clã e de desmonte para as estruturas do Estado.

Enquanto ele se divertia com sua família, o país estava entregue aos seus apaniguados e políticos do centrão que sugaram o que foi possível. Na supereconomia reinava o demente do Paulo Guedes que entende de especulação de mercado financeiro e é especialista em dizer lorotas de mau gosto. Ninguém sabe e não saberá quanto ele roubou do estado. Era a raposa tomando conta do galinheiro.

Para nossa vergonha a canalha foi colocada no poleiro pelo povo brasileiro manipulado por grupos especiais financiados por uma burguesia reacionária e contando com o apoio dos setores mais conservadores do país entre os quais a oficialidade das forças aramadas. Ainda estamos nos devendo os estudos que possam explicar o fenômeno de manipulação em larga escala das consciências a ponto de transformar milhões de pessoas em uma horda fanática e irracional capaz de acreditar em terra plana, Cristos nas goiabeiras, mamadeiras de piroca e outras idiotices do gênero. Morríamos de vergonha quando, no exterior, éramos questionados sobre a eleição de tal aberração, o tal capitãozeco, que o exército expulsou de suas fileiras e que passou decênios como um reles deputado escondido na insignificância dos últimos escalões do baixo clero, esgoto do centrão, onde proferia frases fascistoides que ninguém, infelizmente, levava a sério.

Agora pagamos todo o preço da barbárie e da incompetência. Somos obrigados a sofrer para tirar o atraso começando por fazer o aparelho de estado voltar a funcionar. Limpar o lixo civil e militar que foi deixado e precisa ser removido com urgência, e criar uma estrutura tributária, orçamentária e fiscal capaz de estimular a recomposição da economia e satisfazer as grandes carências da população.

Começamos com a reforma tributária cuja primeira etapa foi finalmente concluída, mas ainda há muito trabalho pela frente. Mais uma vez foi demonstrada a habilidade do atual governo de formar consensos e negociar. No entanto é um grande engano pensar que esta reforma representou algo progressista que contribuiu para reduzir as desigualdades e injustiças tributárias no país. Foi uma reforma para apenas arrumar a casa e muito ainda terá de ser feito. Temos de esperar as negociações no Senado, a volta para a Câmara e a assinatura do presidente. Depois das férias temos a finalização do arcabouço fiscal, para então o legislativo voltar à normalidade. Até lá, poderemos nos ocupar com as decisões a serem tomadas no judiciário, o andamento das punições aos golpistas que, esperamos, sejam muito rigorosas e, certamente, com os movimentos da economia.

Por enquanto as coisas correm dentro da normalidade. A equipe do governo tem sido capaz de acalmar o “mercado” e o ambiente de tragédia que a direita anunciava, vai sendo levado ao ridículo. A bolsa anda calma, o dólar se desvaloriza, os investimentos retornam, os agiotas da Faria Lima baixam a crista e começam a cacarejar e abanar o rabinho. Até conhecidos reacionários estão tecendo elogios ao governo e, particularmente, ao Hadad, ministro da Fazenda, o que não deixa de ser um motivo de preocupação. A desaceleração da inflação está contribuindo para isto e colocando o Banco Central (BC) em maus lençóis. As justificativas para a manutenção da Selic nos 13,75% atuais estão acabando. Resta apenas a demência ideológica do Campos Neto.

Além da questão dos juros altos e da escassez do crédito, o governo central tem três grandes problemas a enfrentar: a herança maldita do governo anterior, que exige dispêndio de energias com a reconstrução do estado, a fase de crise do ciclo econômico e a tumultuada situação internacional provocada principalmente pela guerra na Ucrânia.

Confesso não partilhar do otimismo do ministro Haddad que, entusiasmado com o IPCA de junho, que alcançou 3,16% no acumulado de 12 meses, afirmou: “O Brasil hoje está na melhor situação possível e nós temos tudo para começar um ciclo novo de desenvolvimento”. Na verdade, o índice oficial da inflação do país caiu apenas 0,08%, em junho. Muito pouco para justificar o otimismo do ministro que pode ser perdoado diante das teorias econômicas em voga. Pregam que são “as expectativas” que levam os capitalistas ao investimento. Por isto, todos os ministros da Fazenda são mais ou menos mentirosos. Tem a ilusão de assim criar, “expectativas” positivas que levam naturalmente ao crescimento da economia: ingenuidade, má fé ou cegueira ideológica.

A queda da inflação não permite muitas comemorações, pois, segundo os analistas, se deveu fundamentalmente a dois fatores: a queda dos preços do petróleo, que fez cair os preços dos combustíveis, com repercussão sobre os preços dos alimentos (-0,7%) e dos transportes (-0,4) e o programa do governo com subsídios na compra de veículos (queda de 2,8% nos preços). O IBGE também identifica a influência da desvalorização do dólar nos preços da alimentação e dos eletrodomésticos e eletrônicos.

Apesar da desaceleração da inflação as perspectivas não são muito boas. O Indice de Atividade Econômica Stone Varejo, calculado pela Stone e pelo Instituto Propague, mostrou uma queda das vendas no varejo, de 4,2%, no primeiro semestre, e de 0,1% em junho. Os pesquisadores apontam como causas a inadimplência dos consumidores e o comprometimento da renda das famílias, problemas que permanecem agravados pelo aperto monetário do BC.

No que se refere à indústria a situação também não é das melhores. A produção física da indústria de transformação recuou 1,2% no primeiro trimestre segundo cálculos do Iedi. Para o setor de máquinas, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimac) mudou suas projeções para baixo prevendo uma queda de 3,4% para este ano, o que é muito grave.

Eis as consequências da herança maldita deixada por um desgoverno incompetente, por um lado, e por uma situação econômica adversa, por outro.

E por isto pagamos todos nós.