Opinião

O mercado das apostas online e as eleições municipais do Brasil

As eleições municipais de 2024 trouxeram à tona um fenômeno que merece atenção: o mercado de apostas online em resultados eleitorais. Plataformas como Superbet e Sportingbet disponibilizam cotações para candidatos à prefeitura de várias capitais. Em São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB)  têm suas chances avaliadas tanto pelas campanhas quanto pelo número de apostas.

João Pessoa não entrou na rota do esquema desse tipo de aposta – não ainda, de acordo com as investigações policiais. No Rio de Janeiro, contudo, as apostas correm soltas e o favoritismo de Eduardo Paes (PSD) nas apostas contrasta com os números de Alexandre Ramagem (PL) e Tarcísio Motta (PSOL).

Importa destacar que tal fenômeno, embora recente por estas bandas tupiniquins, é prática consolidada em países como Reino Unido e Estados Unidos. No entanto, há que se considerar nossa fragilidade institucional e as constantes ameaças à democracia brasileira, que exigem cautela na adoção desse modelo. Ainda que alguns vejam essas plataformas como um “termômetro” da expectativa popular, os riscos são evidentes e podem, sim, comprometer a soberania popular. Eleições são um dos pilares da democracia e, por isso mesmo, não deveriam virar um campo de especulação e lucro.

Quando eleições se tornam atração para jogos de azar, a política deixa de ser um processo sério de decisão coletiva e passa para o campo do entretenimento. Já vimos, por exemplo, os danos que o infoentretenimento pode causar, desde o empobrecimento da linguagem à supervalorização das emoções em detrimento da razão. Tais práticas ajudaram a extrema-direita no mundo no processo de corrosão das democracias. Logo, não é exagero dizer que as cotações podem influenciar eleitores, que, por sua vez, podem acabar baseando suas escolhas nas tendências de mercado em vez de em convicções políticas ou nas propostas dos candidatos. Por mais minimalista que seja, uma democracia depende da autonomia e da reflexão do eleitor, do contrário corre o risco de enfraquecer à medida que seus princípios são transformados em mercadoria.

As casas de apostas alegam que suas cotações não interferem diretamente no processo, mas, por óbvio, a influência existe. A manipulação política que assistimos com a ascensão do bolsonarismo a partir do Gabinete do Ódio e da produção e compartilhamento indiscriminado de fake news nas redes sociais são prova do impacto das plataformas digitais no comportamento dos eleitores. No momento em que eleições se tornam objeto de especulação nasce um terreno fértil para desinformação e manipulação. Apostadores podem ser levados a decisões baseadas em informações superficiais, boatos ou campanhas difamatórias que distorcem as chances reais de vitória, pressionando tanto o eleitor quanto o processo eleitoral em si.

Apesar de termos uma legislação eleitoral rigorosa e do acompanhamento das bets em tempo real pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o controle precisa ser também político e social. Eleições dependem de escolhas conscientes, fundamentadas em debates e propostas, não em especulações de mercado. Quando o resultado eleitoral vira alvo de apostas, a lógica democrática se distorce. No final das contas, perdemos todos.

Imagem Capa: Metrópoles