1964: 59 anos depois do golpe e o Brasil ainda respira ventos do autoritarismo
Há 59 anos, em 1 de abril, começava, no Brasil, um dos períodos mais sombrios de sua história. O golpe de 64 se deu no dia da mentira, quando João Goulart, presidente constitucional, foi deposto. Abortava-se ali a democracia e paria-se uma ditadura que durou longos 21 longos e perseguiu, cassou, sequestrou, torturou, violentou e matou opositores políticos e críticos do regime.
Revisionistas dirão que foi movimento ou revolução. Ficcionistas insistirão que a ditadura foi a porta para a democracia que hoje conhecemos. É assim que matam a verdade ou que tentam borrá-la. Mas a verdade se impõe porque, felizmente, há vozes que não foram caladas e resistiram à tirania. Os saudosistas de plantão argumentam que a ditadura, fruto de um golpe civil (sim!) e militar, trouxe progresso. Uns falam do “milagre econômico” de 68 a 73, ignorando que o crescimento médio de 10% ao ano foi possível graças ao achatamento de salários e ao fim do reajuste pela inflação. Empresários foram beneficiados a custo da imensa massa de trabalhadores. Com aumento da concentração de renda cresceram também as distorções sociais. Os mais pobres foram duramente castigados.
Durante o regime ditatorial houve investimentos em estradas e indústrias automobilísticas. Tudo baseado no alto endividamento externo. Mesmo com a crise mundial do petróleo, a equipe econômica decidiu manter o crescimento a qualquer custo. Fez um empréstimo em cima do outro e o país se atolou em dívida. Em 20 anos a dívida externa, de acordo com o Banco Central, quadruplicou. Quando a ditadura caiu, em 1985, a inflação chegou a 223%. Seus efeitos deletérios não findaram aí. Em 1989, a colheita foi ainda mais danosa: inflação de 1782%. Ou seja, o país quebrou. Não à toa economistas chamam isso de herança maldita.
A corrupção foi um outro capítulo à parte. A história dá conta de que entre os interesses público e privado reinou a promiscuidade. Foi durante a ditadura militar que se pavimentou terreno para pagamento de propinas a empresas como Camargo Correa e Odebrecht. Não falar sobre isso não significa que não aconteceu. O silêncio se explica pela forte censura aos veículos de comunicação durante a ditadura. Controle de menos e instituições amordaçadas: Estado, Ministério Público, Judiciário.
O AI-5, o Ato Institucional número cinco, trouxe ainda mais forte repressão e fechamento do Congresso Nacional em 1968, tortura de adversários políticos e desaparecimento de mais de 400 pessoas. Tudo devidamente registrado e embasado em documentos e depoimentos colhidos na Comissão Nacional da Verdade.
Perseguidos e mortos da Paraíba
A Comissão da Verdade apurou que 131 paraibanos foram torturados. Professores, pesquisadores, artistas, políticos, camponeses, jornalistas sofreram perseguição. Uns fugiram, foram exilados, outros desapareceram. Na Paraíba, uma das vítimas foi o promotor de justiça e professor da Universidade Federal da Paraiba (UFPB), Agassiz de Almeida. Em 64 ele foi demitido e encarcerado em Fernando de Noronha(PE) acusado de crimes contra a segurança nacional pela defesa das ligas camponesas. O terror para Agassiz só acabou em 79, com a lei da Anistia, quando conseguiu retomar as funções.
59 anos depois
O Brasil jamais enterrou a ditadura. Vive da idealização de um passado mítico que nunca existiu – ele e seu séquito. Esse Brasil elegeu Jair Bolsonaro em 2018, e a maior bancada da extrema-direita da história do país em 2022. Esse Brasil viu a Praça dos Três Poderes ser atacada em 8 de janeiro de 2023 por golpistas que clamavam liberdades como se estas fossem possíveis fora do estado democrático. Mais uma tentativa de golpe, de ruptura, estimulada pelo ex-presidente que buscou, de todas as formas, se perpetuar no poder, revelando seu caráter e política fascista. A ascensão do bolsonarismo e de Bolsonaro é evidência irrefutável da tragédia brasileira: um país de tradição autoritária, que não se emancipou, que não puniu militares envolvidos em tortura e assassinatos de presos políticos, mas os premiou com uma série de privilégios. Como herança, a cultura da força, o autoritarismo nas instituições e os ataques sistemáticos aos direitos individuais e coletivos para atender ao Poder Econômico, e uma democracia de baixíssima intensidade.
Foto: Manifestação contra a ditadura militar / Crédito: Domínio Público