Opinião

A vitória de Lula, o desejo de mudança e a força do bolsonarismo

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para um terceiro mandato com 60.345.999 (50,90%) milhões de votos, em uma votação histórica, e, diga-se de passagem, com quatro anos de atraso. Não apenas uma vitória do petista, que reuniu aliados, inclusive, da direita que valoriza a democracia. Eleição apertadíssima, disputada voto a voto e com detalhes muito importantes: os números indicam que Jair Bolsonaro avançou em todas as capitais do país, conseguindo virar o voto em 248 cidades, 66 delas em Minas Gerais e em regiões onde historicamente o PT sempre levou a melhor, caso de Montes Claros onde Bolsonaro esteve, inclusive, na última semana de campanha. Coisa que a campanha de Lula não conseguiu. Por isso vimos a desvantagem de Bolsonaro em relação ao petista diminuir de 6,2 milhões de votos no primeiro turno para 2,1 milhões de votos neste segundo turno. E não foi culpa da abstenção, que foi menor neste segundo turno (20,59%) em relação ao primeiro (20,95%) de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Bolsonaro cresceu e ampliou, sobremaneira, sua votação no país. Recebeu novos 7.134.009 votos, totalizando 58.206.354 (49,10%) milhões de votos. Isso também é histórico e mostra o tamanho e a força do bolsonarismo. A polarização que se registrou nesta campanha, que se refletiu nos números e que é produto de um acirramento desmedido e irracional, foi projetada na diferença de pouco mais de 2 milhões de votos entre primeiro e segundo colocados. Contudo, o desempenho de Jair e de sua campanha não foi suficiente. Ele venceu em 2.445 municípios brasileiros; Lula, em 3.123, e deve isso, em boa medida, à militância das ruas e do digital que despiu do medo. Mas é bom destacar a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, que nas 36 horas antes do pleito mandou retirar do ar 354 impulsionamentos irregulares nas redes sociais, sete sites foram desmonetizados, 701 URLs foram removidas, 15 perfis que insistentemente publicam fake news e atuam para corrosão democrática foram suspensos, e cinco grupos de Telegram com 580 mil seguidores acabaram banidos.

Jair Messias Bolsonaro é agora o primeiro presidente da República desde que a reeleição passou a ser permitida, em 1998, que não conseguiu se manter no cargo, mesmo com a força da máquina e da caneta, mesmo com a forte atuação de Michele Bolsonaro na campanha, mesmo com a instrumentalização de setores das polícias, mesmo com o orçamento secreto, as manobras eleitoreiras no período vedado pela legislação eleitoral, e apesar da intensa e comprovada atuação do Gabinete do Ódio como produtor e disseminador de fake news. Gabinete com as digitais de Carlos Bolsonaro, apontado pela CPMI das Fake News como o coordenador-geral dessa milícia digital, com a ajuda de primeira hora de um paraibano. Os eventos anteriores ao pleito – episódio envolvendo Roberto Jefferson e a tentativa de assassinato de policiais, falas de Paulo Guedes em relação à redução do salário mínimo, o “pintou um clima” de Jair Bolsonaro com meninas venezuelanas… tudo isso pesou contra à reeleição do candidato.

Lula terá desafios: acalmar um país inflamado pelo ódio e divisão é o primeiro deles. É preciso reposicionar o país no rumo do progresso, estancando a regressão democrática imposta pelo governo Bolsonaro, suas investidas autoritárias e política fascista.  Lula também vai precisar entender o tamanho do rombo das contas públicas em meio a uma transição que não será facilitada, certamente. O discurso da vitória deu o tom do que o petista tem em mente. “Não existem dois brasis, é hora de baixar as armas”, disse Lula. A hora é unir as ferramentas que possibilitem uma reconstrução. O apoio do mundo o petista também já recebeu. Chefes de estado da América Latina, da Europa e dos Estados Unidos reconheceram sua vitória e falaram em parcerias. Joe Biden, presidente norte-americano celebrou: “eleição livre, justa e digna de confiança”, escreveu. Emmanuel Macron, presidente da França, foi um dos primeiros a reagir pelo Twitter? “Parabéns, caro, Lula, por sua eleição que dá início a um novo capítulo da história do Brasil. Juntos, vamos unir nossas forças para enfrentar os muitos desafios comuns e renovar o vínculo de amizade entre nossos dois países”.

O bolsonarismo permanece firme como força política no Congresso Nacional e nos 15 estados brasileiros que serão governados por bolsonaristas. Basta citar, como exemplo, a eleição de Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre Fernando Haddad (PT) para o governo de São Paulo, ou de Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, ainda no primeiro turno; ou para a eleição da ex-ministra da Mulher, Damares Alves (Republicanos), do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (PL), de Ricardo Salles (PL), ex-ministro do Meio Ambiente, e do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro (União). Sua coesão no Parlamento é uma incógnita a ser acompanhada. A depender do fisiologismo do centrão, não vai muito longe.

“Mas, porém, contudo e, todavia”, o bolsonarismo permanece e com uma capacidade de mobilização digital que a esquerda jamais conseguiu. João Feres Júnior, professor Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador da pesquisa qualitativa Bolsonarismo no Brasil, em entrevista à BBC News, lembra que diferentes grupos – conservadores, militaristas, antipetistas- estão unidos em um ecossistema próprio e com uma estrutura de comunicação muito bem organizada: “São redes sociais, canais de TV aberta e a cabo — Rede TV, Record, SBT, Jovem Pan — e um terceiro pilar são as igrejas evangélicas e movimentos conservadores da Igreja Católica, que servem como correia de comunicação para as mensagens bolsonaristas. Então existe uma esfera comunicacional mais ou menos autônoma que Bolsonaro construiu em torno de si e que permite com que ele tenha resistido tanto tempo com uma popularidade tão alta.”

Por hora os riscos de uma ruptura democrática estão reduzidos, mas discordando um pouco do Lula, arrisco dizer que é preciso continuar lutando com as armas da democracia. Não se pode baixar a guarda porque a democracia exige estado de vigilância permanente.

 

Foto: tagreuters.com2022binary_LYNXMPEI9T0DI-BASEIMAGE©