Biden é de esquerda? Qual a mensagem da vitória do democrata nos EUA?
Estados Unidos em festa. Mas a eleição de Joe Biden e Kamala Harris não vai trazer mudanças apenas na maior potência econômica do mundo e nas suas políticas públicas domésticas. O efeito dessa vitória, como em uma cascata, banha todo o globo e há de promover eventos em cadeia que mudarão as relações entre países e o desenho geopolítico. A começar pelas relações multilateralistas tão atacadas por Donald Trump.
Não, Biden não é de esquerda. E, sim, ele tem um discurso conservador. Apesar de abraçar pautas progressistas do ponto de vista dos costumes (luta antirracial, combate à Lgbtfobia, o direito das mulheres etc), sua agenda econômica é neoliberal. Estamos falando de um neoliberalismo progressista, inaugurado nos Estados Unidos e “ratificado com a eleição de Bill Clinton em 1992”, e dos chamados “Novos Democratas”. [i] Essa política acelerou a desindustrialização americana e a desregulamentação dos sistemas financeiros, elevando as assimetrias sociais. Essa mesma política produziu o fenômeno da financeirização da economia, potencializou a concentração de riquezas nas mãos de acionistas e levou recursos das atividades produtivas ao declínio. O resultado foi desemprego, achatamento de salários e ainda mais desigualdade. Mas esse não é o ponto aqui.
A vitória de Biden lá – e cá – significa a retomada do que o jornalista Kennedy Alencar chamou de “política civilizatória” porque, em primeiro lugar, leva ao enfraquecimento da extrema-direita e de uma agenda política marcada pelo fundamentalismo e pela defesa de interesses ao capital financeiro em detrimento do aspecto humano. Depois porque reinsere no debate público o respeito às instituições democráticas.
O sucesso de Biden deve-se, em boa medida, à presença de Kamala. Ela trouxe ao insosso democrata o tempero necessário. Outros chamariam de equilíbrio, e equilíbrio é alimento necessário em tempos de desinformação, mentiras e violência. O sucesso de Biden é também o sucesso da política. Representa ainda o início da derrota do trumpismo e uma chance de o mundo, partir desde exemplo específico, realinhar suas forças. Diz ele, o Biden, que vai “governar para todos” e não para um quintal ideológico. É o que se espera de um presidente de uma Nação.
Fica a lição para outros chefes de Estado: o cansaço popular que cedeu ao autoritarismo também pode levar ao caminho de volta e derrubar líderes avessos à democracia.
[i] A Grande Regressão: um debate internacional sobre os novos populismos e como enfrentá-los. Ed. Estação Liberdade, 2019.