A importância da filosofia para compreender e salvaguardar a democracia no Brasil

Estamos chegando ao final de 2024. Após a abertura democrática em 1985, nossa democracia se fortaleceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e através de ações, legislações e políticas públicas pautadas na inclusão social, na diminuição das desigualdades e na universalização da educação. No entanto, em 2016 sofremos um duro golpe na democracia com o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Depois disso, a democracia sangrou pelas mãos de uma imprensa nada imparcial e de movimentos cuidadosamente manipulados das direitas que se reorganizavam e de uma extrema direita fascista que andava na sombra desses grupos políticos até então. Esses fatos foram cruciais para os momentos posteriores da história do Brasil que elegeu Jair Bolsonaro em uma escolha que, segundo o jornal Folha de São Paulo, era muito difícil. A escolha era entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Esse fato trouxe à tona o negacionismo científico, a estupidez política e, dentre outras coisas terríveis, o ódio às diferenças que já não dialogam mais, portanto, a morte da dialogicidade na democracia.

Nesse contexto, gostaria de trazer uma reflexão sobre a importância da filosofia política, crucial para a compreensão da sociedade e do que nela se desdobra. Trago essa reflexão porque, ainda em dias atuais, é possível ouvir discursos absurdos em relação a esta disciplina alegando que ela poderia ser suprimida do currículo escolar por não servir, não ter utilidade prática. Já aproveito para explicar a estas pessoas que a ação da filosofia na vida de cada pessoa se dá no letramento filosófico, no qual estimula a experiência reflexiva na educação. É através da filosofia que são dados os subsídios para pensar a sociedade e refletir sobre o bem comum, para compreender a história e imaginar um futuro possível, além de propiciar o desenvolvimento de argumentos críticos para, inclusive, questionar a ordem social vigente, sendo, portanto, uma ferramenta essencial para a formação cidadã, principalmente em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, pois possibilita a dialogicidade para a construção de um futuro justo e democrático, tendo em vista que a filosofia política é um campo da filosofia que se dedica a refletir sobre a organização da sociedade, a natureza do poder, a justiça e os direitos dos cidadãos, buscando compreender como as pessoas devem viver em conjunto, quais são as melhores formas de governo e como garantir uma vida justa e equitativa para todos.

Para o fortalecimento democrático, dentre ações e legislações, é imprescindível conhecimento da história, da sociologia e da filosofia para ampliar as possibilidades de análises e reflexões sobre os fatos e a própria história, tendo em vista que os cidadãos participam direta ou indiretamente das decisões políticas, através de eleições, representação política e mecanismos de participação popular. No entanto, a democracia contemporânea enfrenta diversos desafios que exigem uma ponderação profunda a partir dos fundamentos da filosofia política, dentre os quais a desigualdade que desafia a justiça social; o populismo reacionário que apela às emoções e promessas simplistas e vazias de conteúdos; a desinformação, que através da manipulação de informações se espalha nas redes dificultando o debate público de temas consistentes e estruturantes; a crise na representatividade das instituições democráticas, gerada, principalmente, através da rede de fake news etc.

A Filosofia, de uma forma geral, dá esse suporte para a formação cidadã, a conduta ética e a tomada de decisões importantes para a manutenção da democracia, mas é a filosofia política que tem um papel fundamental a desempenhar em busca por soluções para os desafios postos, seja através da reformulação de conceitos de justiça social e distributiva para enfrentar as desigualdades crescentes, seja através de formação para participação política em defesa da democracia de modo a garantir a legitimidade das instituições; do debate público sobre questões complexas, como a ética da inteligência artificial, a regulação das plataformas digitais e a justiça global; ou mesmo através do desenvolvimento de novas teorias políticas que sejam capazes de responder aos desafios da contemporaneidade, como a teoria da justiça global e a teoria da democracia deliberativa.

Na contemporaneidade, muitos países enfrentam crises institucionais que colocam em xeque a própria viabilidade das democracias. O crescimento de regimes autoritários, a polarização política e o enfraquecimento das instituições são sinais de que as democracias precisam se adaptar para responder às novas demandas sociais, políticas e éticas. O Brasil, por exemplo, enfrentou recentemente uma política neofascista e negacionista após o golpe de 2016 que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O golpe de 2016, alavancado por movimentos de rua como foi o caso do “vem pra rua”, caracterizado de movimento popular, mas manipulado pelo Movimento Brasil Livre – MBL, apoiados financeiramente por partidos da direita e extrema direita que se formavam naquele momento, insuflados pela mídia, gerou uma onda chamada pela mídia de antipetismo, o que fez com que em 2018 a extrema direita subisse ao poder e elegesse o presidente da república e uma bancada gigante da bala e da bíblia no congresso nacional. Esse deplorável momento político no Brasil asfixiou a imprensa e com sua política negacionista, trouxe o caos a saúde e matou cerca de 700 mil pessoas durante a pandemia da COVID 19 entre 2020 e 2022.

A desinformação e o enfraquecimento da democracia foram intensificados, mas com a perda do mandato de Jair Bolsonaro após uma dura eleição para presidente em que o Partido dos Trabalhadores, por meio de uma frente ampla que reuniu, inclusive, partidos da direta democrática (sob protestos de muitos militantes da esquerda) e o povo retomaram as rédeas da democracia, houve uma tentativa de golpe de estado por parte da extrema direita no dia 08 de janeiro de 2023. No entanto, graças a decisões coerentes e uma forte capacidade de reorganização, o golpe não foi adiante, apesar das principais casas de defesa da democracia terem ficado destruídas. Brasília virou praça de guerra, um desafio à democracia sem precedentes na história do país, mas as duras penas, reestabeleceu-se a ordem e a democracia superou esse grave momento da história brasileira. Diante de todos esses fatos graves, sou contra a anistia daqueles que em tempos de ameaça democrática, tramaram covardemente contra o país e suas instituições.

Nessa perspectiva brasileira de luta em favor da democracia, é importante ressaltar que durante o golpe militar de 1964 e que durou até 1985, a filosofia foi suprimida do currículo escolar, tendo sido considerada subversiva e inútil. A disciplina de filosofia volta a ser obrigatória no ensino médio brasileiro apenas em 2008, nas três séries do ensino médio. Essa lacuna certamente comprometeu e compromete até os dias atuais a nossa democracia.

A Filosofia, de um modo geral, enquanto disciplina, é fundamental para desenvolver o senso crítico, a autonomia e a liberdade. No caso da filosofia política, este é um campo crucial para a análise e o desenvolvimento das democracias modernas por proporcionar ferramentas teóricas para enfrentar os problemas ético-políticos que ameaçam a estabilidade e a justiça social. O estudo desses problemas é essencial para garantir que os sistemas democráticos possam se desenvolver de maneira justa e equitativa, preservando os direitos e as liberdades fundamentais. De tal modo, compreende-se a filosofia política nas escolas como fundamental, tendo em vista que ela ajuda a formar cidadãos mais críticos e conscientes. Não é só sobre entender os conceitos de justiça, poder, e direitos, mas também sobre aprender a questionar e debater as estruturas sociais e políticas que moldam nossas vidas. Ela abre espaço para reflexão sobre temas como democracia, ética e liberdade, e, com isso, contribui para uma sociedade mais informada e participativa. Portanto, percebe-se que a filosofia política, a democracia e os desafios ético-políticos encontram-se intrinsecamente ligados, por isso, é fundamental a reflexão filosófica para compreender os desafios da nossa época, principalmente em relação à ética, a justiça social e aos direitos humanos para construir um futuro justo e democrático.