Autismo e a força incansável das minorias

Uma guerra surda nos bastidores do Poder Judiciário tem sido travada entre famílias de pessoas com diagnósticos de Transtornos do Espectro Autista (TEA) e Convênios médicos sobre a cobertura desses tratamentos.

Em um dos polos, as famílias de posse de um laudo da lavra de um médico especialista prescrevendo toda sorte de terapias multidisciplinares e intervenções terapêuticas, noutro os planos de saúde, amparados pela agência reguladora (ANS), limitando o número dessas terapias, tempo de sessões e arbitrando como esse tratamento deve ser desenvolvido. No meio de tudo isso, sem entender muito bem sobre autismo, o Poder Judiciário, tentando equilibrar a preservação do precioso bem que é a saúde com os interesses capitalistas dos convênios.

Transpassando tudo isso, sessões engendradas pelos convênios médicos, profissionais com formação e capacitação realizadas em fins de semana e uma esteira de produção de diplomas na formação em massa desses profissionais sem qualquer maturação na profissão para desenvolver vínculo com a causa, numa clara tentativa de “atender” a demanda dessas exigências médicas.

Ainda, somando a tudo isso, a angústia de famílias que não possuem orçamento para arcar com terapias e profissionais que trabalham de forma ética e comprometida, porém, não conveniados aos planos de saúde. Quando conveniados, limitados pelo plano a atender com determinada quantidade de sessões e o tempo de duração dessas sessões.

Deixa tentar explicar em breve síntese: as intervenções terapêuticas necessárias para crianças diagnosticadas dentro do espectro autista devem, sempre, ser prescritas pelo médico especialista que, via de regra, é um neuropediatra ou neurologista, certo? Se esse profissional disser que a criança necessita, pelo grau de comprometimento de suas habilidades, de 10 horas de terapias diluídas durante a semana, a criança precisa dessa carga horária de terapia com os mais variados profissionais dentre eles, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional, assistentes terapêuticas, psicólogos, pedagogos, fisioterapeutas, nutricionistas… tudo a depender do caso concreto. Pois bem. Também de acordo com os pesquisadores e os mais diversos artigos publicados, essas terapias não ofereceriam o resultado esperado se as sessões fossem inferiores a trinta minutos.

Assim, já é possível imaginar que a despesa com toda essa equipe de profissionais temum impacto financeiro em qualquer orçamento, por mais abastado que seja. Agora, imaginemos a realidade da maioria das famílias que comprometem de 40% (quarenta) a 60% (sessenta) de sua renda com parcelas de plano de saúde, se assegurando com unhas e dentes neste amparo de que, se um dia precisar usar, estará seguro.

Daí, recebem o diagnóstico de autismo de seu filho, saem arruinados do consultório médico, com um laudo na mão, nó na garganta, e aperto no peito sem saber por onde começar. Sim, porque, na maior parta das situações as pessoas desconhecem o que significa a questão (até que chega o dia em que o autismo chega perto por meio de alguém que se ama). Aí pensa: “pelo menos temos um plano de saúde. Pior é quem não tem nada…”

Ainda tomada pelo sentimento de luto, aquela família se desloca ao convênio médico e se depara com uma série de procedimentos burocráticos, questionamentos, insensibilidades e, por fim, INDEFERIMENTO. Sim! Aquela solicitação médica é indeferida e, acreditem, o convênio, em uma relação díspare, unilateral e arbitrária dita as regras de como aquele tratamento será realizado. Sem muita opção e informação, aquela família se submete ao tratamento ineficaz, isso porque é dissonante daquilo que fora exigido em laudo médico e, toda a vida daquela família passa a girar em torno da tentativa de conseguir um tratamento decente, que possa levar aquela criança a uma evolução capaz de incluí-la na sociedade.

No fim, tudo é sobre inclusão. E lá vai mais uma ação distribuída, mais um número de processo gerado, mais um litígio formado para se exigir o óbvio: o direito à saúde.

A ministra Carmen Lúcia, segunda mulher a ocupar uma cadeira na suprema corte (a primeira mulher sentou-se somente no ano 2000).  E aqui, trago um recorte, porque não me seguro, vocês já devem saber!Dos 169 Ministros que compuseram àquela Corte, apenas 3 (três, três!) são mulheres. Voltando à Ministra Carmen Lúcia, ao julgar uma ação dessa natureza, em seu voto, citou a seguinte frase:

“Saúde não é mercadoria, vida não é negócio, dignidade não é lucro.”

(Carmen Lúcia, 2018)

Voltando para a inclusão, a dor do outro não precisa doer na gente. Nunca vai doer do mesmo jeito. Mas precisa despertar o interesse em, no mínimo, conhecermos sobre. A minha posição de mulher hetéro, branca, de classe média, sem deficiência física não pode, não deve me tornar indiferente às pessoas que vivem diariamente essas dorespor não serem assim. Preciso ouvir, entender, ler material sobre o assunto, ter um real interesse.

Sobre o autismo, por exemplo, precisamos ensinar o que é isso para a professora, para a comissária de bordo, para a atendente do laboratório, para o garçom do restaurante, para a recepcionista da clínica, para o motorista do aplicativo, para o juiz, o promotor, o desembargador, o ministro. Para os administradores dos planos de saúde (se espantou com isso? Pois é, eles não sabem o que é!)

Recentemente, a ANS aprovou medida que põe fim a questão da limitação de atendimento para autistas com psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas. Isso simboliza um grande avanço para toda a comunidade autista e o próprio presidente da ANS, Rogério Scarabel, afirmou que: “…a decisão atende a um clamor da sociedade.”

A luta das minorias será sempre mais difícil porque, afinal, são minorias! Mas a tônica é: resistência, esperança e convicção de dias melhores!